Numa pequena cidade francesa, costumava permanecer esmolando à entrada do
templo um grupo de pedintes. À hora das atividades religiosas todos
entravam, menos o Leôncio. Contudo, o oficiante gostava muito dele. Era
humilde, submisso e resignado. Certo dia, ele não apareceu para esmolar e
sua falta foi sentida. Outros dias se passaram e, preocupado com a sua ausência,
o guia religioso decidiu procurá-lo. Depois de muito indagar, o encontrou
num quarto úmido e sombrio.
Ao entrar para ajudá-lo, muita coisa chamou a sua atenção. Na parede
suja e escura estava um relógio de ouro antigo e valiosíssimo; protegido
por uma velha cortina estavam alguns retratos, cujas molduras revelavam
extremado bom gosto e um divã revestido de um tecido damascado raro
revelava grande valor.
Leôncio percebeu o olhar surpreso e indagador do religioso e então
contou-lhe a sua história.
Muito pobre, fora levado para servir no castelo de um fidalgo. Ainda que
revoltado, ele procurou servi-lo bem, chegando a ser seu secretário. Com
isso tornou-se conhecedor profundo das suas transações comerciais e
industriais. Motivos políticos e sociais levaram a região à revolta,
com muita gente envolvida. Aquele fidalgo decidiu fugir com a família
para outra região da França, por ter culpa em cartório. Ninguém sabia
o rumo que tomara.
Fora então procurado pelas autoridades que lhe
ofereceram alta soma para que revelasse o esconderijo. Fascinado pelo
ouro, Leôncio fez a revelação e o fidalgo e sua família foram
capturados e condenados. Contudo, teriam escapado à morte se ele não
houvesse feito revelações comprometedoras. Depois da sentença de morte,
o tempo foi passando e teria caducado se não houvesse pedido pessoalmente
a revisão da sentença...
- Assim. sinto-me hoje o mais indigno pecador. Por isso tenho me
torturado, mantendo em meu poder esses objetos que representam o preço da
minha traição - Falou ainda Leôncio.
- Bem, mas para Deus não há pecado que não mereça perdão. Busque-o
enquanto é tempo, replicou o religioso.
- Não posso crer no perdão para quem premeditadamente fez passar pela
guilhotina um casal com duas lindas filhas... só o caçula foi poupado.
Veja aí sobre a mesinha a foto daquela família.
- Estes são os meus pais... Você os levou à morte - Falou o religioso.
- Sim. Eu sou culpado. E agora? Ainda acha que Deus me perdoará? E você?
Resignado e compassivo, o religioso respondeu:
- Se pode crer no perdão de Deus, creia que jamais lhe negarei o meu.
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Maktub