Voltas
que a vida dá
Meu amigo Ricardo de Melo, homem prudente e habilidoso, conseguiu à custa de
enorme economia juntar fortuna regular.
Esforçara-se durante muito tempo no trabalho árduo e a riqueza, coroando-lhe
os esforços, o ajudara a estabelecer-se com rendosa indústria manufatureira.
Entretanto, apesar de estar financeiramente bem, Ricardo não modificou sua
maneira de ser.
Habituara-se à poupança e ao controle excessivo dos mil réis sem dar-se
conta de que já podia usufruir de maior conforto e menos preocupação com a
manutenção de sua família.
E assim, ele vigiava o horário dos empregados, na fábrica, calculando o custo
dos minutos perdidos nos atrasos comuns durante o serviço. Em casa, não
permitia o menor deslize no orçamento magro, jamais propiciando aos familiares
o conforto e as vezes as coisas mais necessárias. Quando a esposa, aborrecida,
aludia à sua vantajosa situação financeira, ele dizia:
- Você que pensa! Eu é que sei dos compromissos e responsabilidades! Não. Não
posso gastar de maneira alguma.
E a mulher tristemente remendava ao máximo as roupas da família e fazia
tremenda ginástica para não sair do magro orçamento doméstico.
Desta forma, os bens de Ricardo duplicavam sempre, sem que ele mudasse o padrão
de vida a que desde jovem se habituara. Ao contrário, com o correr dos anos,
foi ficando pior. Não tirava férias para melhor poder vigiar o negócio, era
sempre o primeiro a chegar e o último a sair. Não tinha por isso tempo para
dedicar-se ao aconchego familiar. Mal parava em casa. Desenvolvia enorme
atividade no sentido de exercer o controle de tudo e assim neurastenia
tornou-se inevitável, e com ela o desequilíbrio orgânico.
Mas, era inútil a insistência da família. Ricardo não descansava.
Certa madrugada, foi chamado às pressas. Irrompera violento incêndio em sua fábrica.
Ninguém descobriu a causa do sinistro, entretanto, toda a indústria foi
destruída. Sobrou, diante dos olhos esbugalhados e febris de Ricardo um
amontoado de ruínas fumegantes. Nada pôde ser salvo, nem uma peça. E, como
por medida econômica Ricardo não fizera o devido seguro contra incêndio,
ficou positivamente na miséria.
Em virtude do choque emocional, foi acometido de séria enfermidade, guardando
leito por algum tempo. Quando melhorou, ficou com o braço direito imobilizado
e inútil.
Incapaz de recomeçar a vida por questões psíquicas, além do defeito físico,
Ricardo, sem recursos outros para viver, ficou na dependência dos filhos que
viviam de modesto salário.
Todavia, habituastes ao pensamento de que o pai gastava pouco e porque ele
nunca lhes dera dinheiro para as menores coisas, obrigando-os ao trabalho se
precisassem de algo, não se sentiam na obrigação de serem pródigos para com
ele.
Mas, ainda assim, enquanto os dois rapazes eram solteiros e residiam com os
pais, as coisas se arranjaram regularmente, mas depois que se casaram e saíram
de casa formando o seu próprio lar, a situação tornou-se calamitosa.
Ricardo e a esposa, recebiam pequena mesada que mal dava para a modesta refeição
e com seu precário estado de saúde Ricardo
precisava de medicamentos cada vez
mais caros.
Seu corpo envelhecido requisitava maior necessidade de agasalho.
E, se alguma vez engolindo a revolta interior ele se dirigia aos filhos
solicitando aumento da magra pensão, ouvia invariavelmente:
- Por agora é só o que posso dar. Tenho família a sustentar.
O senhor não
sabe minhas responsabilidades e os meus compromissos!
Quando lhe morreu a companheira, nenhum dos dois abriu-lhe as portas do lar.
Alegando necessidade de tratamento especializado e para melhor atendimento médico,
internaram-no em um asilo de velhos.
Foi amargurado e triste que Ricardo retornou ao plano espiritual, depois de
algum tempo de perturbação. Trazia um amontoado de queixas contra os
familiares o que muito prejudicou seu pronto equilíbrio.
Foi por isso visitado por amoroso instrutor, desejoso de ajudá-lo.
Diante do
carinho e da atenção que foi objeto, Ricardo não conteve as lágrimas e com
voz triste tornou:
- Ai! meu amigo. Como é bom encontrar almas generosas no caminho! Infelizmente
eu não tive essa sorte. Deus me deu por família criaturas sem coração que
jamais se compadeceram da minha dor.
O mentor amigo, colocando, calmo, a mão sobre o braço do enfermo perguntou:
- Mas... que fizeste para sanar o mal?
- O que podia fazer? Velho, cansado, só e doente?
- A essa altura pouco, realmente. Entretanto, tiveste inúmeras oportunidades,
como pai, de construir o amor e a generosidade no coração dos teus filhos. A
criança é uma plantinha tenra que cresce em torno da estaca que lhe serve de
apoio, se esta for firme e justa, ela crescerá perfeita, na devida posição.
Porém, se esta for mal colocada, frouxa e indiferente, a planta proliferará
irregularmente, será fraca e mirrada.
Tiveste durante o início da vida ocasião
de ensinares os teus a serem generosos e bons e perdeste a oportunidade,
valorizando apenas a posse efêmera do dinheiro que infelizmente não te
ofereceu felicidade nem segurança; não encontravas tempo para tecer os laços
duradouros da estima e da compreensão.
Chamado à responsabilidade, Ricardo baixou a cabeça confuso.
O Mentor
prosseguiu:
- Aceita as conseqüências dos teus atos com serenidade e paciência. Se nada
plantaste naqueles corações, se nada deste, como querias de lá tirar ou ter
direito a alguma coisa? Valoriza a experiência e nunca é demais recordarmos
os ensinamentos do Cristo quando nos advertiu: "Não vos afadigues pela
posse do ouro, que a traça corrói e a ferrugem consome, mas ajunteis tesouros
no céu e sereis felizes".
E, colocando a mão fraternalmente sobre seus ombros curvados terminou
perguntando:
- E queres maior riqueza e maior tesouro do que o amor de pai envolvendo e
penetrando um coração de filho?