O desempregado
Apresentou-se na firma de
colocação de mão-de-obra. Após horas
na fila de desempregados, chegou a sua vez de ser entrevistado:
- Sabe fazer o quê?
- Bem, entendo de construção civil, meu pai trabalhava no ramo.
Gosto de culinária e acho que não me daria mal na agricultura.
- Hum, Hum. O que tem feito ultimamente?
- Sou andarilho, espalho novas idéias e boas notícias.
- Ora, isso tudo é muito vago. Quero saber quais são as suas aptidões.
- Sou bom em recursos humanos. Sei organizar grupos e incentivar pessoas.
- Considera-se um homem dotado de espírito de competitividade?
- Sou mais pela solidariedade. Gosto de somar esforços, unir o que está
dividido, quebrar distâncias, incluir os excluídos.
- Na área da saúde, tem algum conhecimento?
- Sim, às vezes faço curas por aí.
- Isso é exercício ilegal da medicina. Só os médicos e os
medicamentos cientificamente comprovados podem curar. Ou será que você
também embarcou nessa onda de que meditação cura?
- É, meditação traz boa saúde. É o meu caso. Medito todas as manhãs
ou ao anoitecer. Às vezes passo toda a noite meditando. E, como vê,
gozo de muito boa saúde.
- Que mais sabe fazer?
- Sei pescar, preparar anzóis, monitorar uma embarcação e até assar
peixes.
- Bem, no momento não há procura neste ramo. Os japoneses já ocuparam
todas as vagas. Se fosse escolher uma profissão, qual seria?
- A de publicitário. Creio que sou bom de propaganda.
- Que tipo de produto gostaria de vender?
- A felicidade.
- A felicidade?
- Sim, como o senhor escutou.
- Meu caro, a felicidade é o bem mais procurado do mundo. É uma demanda
infinita. É o que todo mundo busca. Só que ninguém ainda descobriu
como oferecê-la no mercado. O máximo que temos conseguido é tentar
convencer que ela resulta da soma dos prazeres.
- Como assim?
- Se você usar esta roupa, tomar aquela bebida, passar no cabelo aquele
produto, viajar para tal lugar, você haverá de encontrar a felicidade.
- Mas isso é enganar a freguesia. A felicidade não se confunde com
nenhum bem de posse. Ela só pode ser encontrada no amor.
- Bela teoria! E pensa que as pessoas não têm medo de amar?
- Têm medo porque não têm fé. Se acreditassem em alguém e em si
mesmas, amariam despudoradamente.
- Vejo que você é mesmo bom de lábia. Quer um emprego de vendedor de
cosméticos?
- Prefiro não vender ilusões. Melhor oferecer esperanças.
- Esperanças? Do jeito que o mundo está? Cara, trate de ganhar seu
dinheiro. Hoje em dia é cada um por si e Deus por ninguém.
- Não penso assim. Se houver esperança de um futuro melhor, haverá
indignação frente ao presente injusto. Então as pessoas haverão de
mudar as coisas.
- Pelo que vejo você gosta de política.
- Não sou político, mas exerço o meu direito de cidadania. Defendo os
direitos dos pobres.
- Desconfio que você é um desses vagabundos utópicos que nas praças
divertem os jovens aos domingos. Você bebe?
- Só vinho.
- Como é o seu nome?
- Jesus, mas pode me chamar de Emanuel.
Frei Beto
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