Para que discutir com os homens que não se rendem às verdades mais evidentes? Não são homens, são pedras. Tenho um instinto para amar a verdade; mas é apenas um instinto. (Voltaire)

                                                    




 

                                                Valores

Um dia, durante uma conversa entre engenheiros, me fizeram
uma pergunta: O que de mais importante você já fez na sua vida?

A resposta me veio à mente na hora, mas não foi a que
respondi, pois as circunstâncias não eram apropriadas. No papel
de engenheiro da indústria do espetáculo, sabia que os
assistentes queriam escutar anedotas sobre meu trabalho com as
celebridades.  

Então, tirei lá das profundezas das minhas
recordações: O mais importante que já fiz na minha vida ocorreu
em 08 de outubro de 1990.

    Comecei o dia jogando golfe com um ex-colega e amigo meu
que há muito não via. Entre uma jogada e outra, conversávamos a
respeito do que acontecia na vida de cada um. Ele me contava
que sua esposa e ele acabavam de ter um bebê. Enquanto
jogávamos chegou o pai do meu amigo que, consternado, lhe diz
que seu bebê parou de respirar e que foi levado para o hospital
com urgência.  

No mesmo instante, meu amigo subiu no carro de
seu pai e se foi. Por um momento fiquei onde estava, sem pensar
nem mover-me, mas logo tratei de pensar no que deveria fazer:
Seguir meu amigo ao hospital? Minha presença, disse a mim
mesmo, de nada serviria pois a criança certamente está sob
cuidados de médicos, enfermeiras, e nada havia que eu pudesse
fazer para mudar a situação. 

Oferecer meu apoio moral? Talvez,
mas tanto ele quanto sua esposa vinham de famílias numerosas e
sem dúvida estariam rodeados de amigos e familiares que lhes
ofereceriam apoio e conforto necessários, acontecesse o que
acontecesse. A única coisa que eu faria, indo até lá, era
atrapalhar.  Decidi que mais tarde iria ver o meu amigo.

    Quando dei a partida no meu carro, percebi que o meu amigo
havia deixado o seu carro aberto e com as chaves na ignição,
estacionado junto às quadras de tênis. Decidi, então, fechar o
carro e ir até o hospital entregar-lhe as chaves. 
Como imaginei, a sala de espera estava repleta de familiares que 
os consolavam.

Entrei sem fazer ruído e fiquei junto à porta,
pensando o que deveria fazer. Não demorou muito e surgiu um
médico que aproximou-se do casal e, em voz baixa, comunica o
falecimento do bebê. Durante os instantes que ficaram abraçados
- a mim pareceu uma eternidade - choravam, enquanto todos os
demais ficaram ao redor daquele silêncio de dor. 

O médico lhes perguntou se desejariam ficar alguns instantes com a 
criança. Meus amigos ficaram de pé e caminharam resignadamente até a
porta. Ao ver-me ali, aquela mãe me abraçou e começou a chorar.
Também meu amigo se refugiou em meus braços e me
disse:  - Muito Obrigado por estar aqui! 

Durante o resto da manhã fiquei sentado na sala de emergências do hospital, vendo meu amigo e sua esposa segurar nos braços seu bebê,
despedindo-se dele.

    Isso foi o mais importante que já fiz na minha vida. Aquela
experiência me deixou três lições:  Primeira: o mais importante
que fiz na vida, ocorreu quando aparentemente não havia
absolutamente nada, nada que eu pudesse fazer. Nada daquilo que
aprendi na universidade, nem nos anos em que exercia a minha
profissão, nem todo o racional que utilizei para analisar a
situação e decidir o que eu deveria fazer, me serviu para
aquela circunstância. 

Segunda: estou convencido que o mais
importante que já fiz na minha vida esteve a ponto de não
ocorrer, devido às coisas que aprendi na universidade, aos
conceitos do racional que aplicava na minha vida pessoal, assim
como faço na profissional. 

Ao aprender a pensar, quase me
esqueci de Sentir. Hoje, não tenho dúvida alguma que devia ter
subido naquele carro sem vacilar e acompanhar meu amigo ao
hospital. Terceira: aprendi que a vida pode mudar em um
instante.  Intelectualmente todos nós sabemos disso, mas
acreditamos que os infortúnios acontecem com os outros. Assim
fazemos nossos planos e imaginamos nosso futuro como algo tão
perfeito e real, como se não houvesse espaços para outras
ocorrências.  

Mas ao acordarmos de manhã, esquecemos que
podemos perder o emprego, sofrer uma doença ou cruzar com um
motorista embriagado, etc., acidentes que podem alterar este
futuro em um piscar de olhos.  Desde aquele dia busquei um
equilíbrio entre o trabalho e a minha vida.  Aprendi que nenhum
emprego, por mais gratificante que seja, compensa perder
férias, romper um casamento ou passar um dia festivo longe da
família.  

E aprendi que o mais importante da vida não é ganhar
dinheiro, atropelar a carreira dos outros e nem ascender
socialmente.  O mais importante da vida é ter tempo para
utilizar todos os conhecimentos adquiridos no sentido de
promover o bem estar do próximo.

1681
Maktub

 

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