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Conexão Europa
Com a Alca emperrada, o Mercosul acelera negociações do acordo de livre
comércio com o Velho Mundo
Eduardo Hollanda e
Leonel Rocha
Marcada para acelerar o passo das
negociações rumo à criação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca),
a reunião de ministros que começa no domingo 16 em Miami tem tudo para
resultar em fracasso. Brasil, Argentina e seus dois sócios no Mercosul, Uruguai
e Paraguai, com a ajuda da Bolívia e da Venezuela, e possivelmente do Peru, estão
prontos para melar o jogo por causa da intransigência americana. Os Estados
Unidos querem manter os gordos subsídios a seus agricultores e empurrar goela
abaixo dos vizinhos das Américas a abertura total das compras governamentais e
serviços e uma lei de propriedade
intelectual que mataria, por exemplo, a indústria brasileira de medicamentos
genéricos.
Sabendo que o ambiente é
hostil, o secretário de Comércio do EUA, Robert Zoellick, apelou e convocou
uma reunião de emergência para o sábado 8, em Washington. O chanceler Celso
Amorim teve de deixar a comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na África,
na quinta-feira 6, para participar do encontro. O incômodo deslocamento do
chefe do Itamaraty não deve alterar a posição brasileira. “Não foi
encaminhada nenhuma proposta, nem nova nem velha. Não vejo como o quadro
mudar”, diz uma fonte diplomática.
A verdade é que o Mercosul,
vendo que a Alca caminha de mal a pior, já encontrou a saída: acelerar as
negociações com a Comunidade Européia para a formação de uma poderosa área
de livre comércio. As negociações se desenvolvem há quatro anos, meio na
moita, mas com resultados palpáveis. “A divergência ainda existente entre nós
é a questão agrícola, por causa dos subsídios europeus. Mas acredito que
vamos ter progressos nesse campo”, afirma Celso Amorim. Brasil e Argentina
estão confiantes de que os europeus poderão flexibilizar sua posição
na reunião de ministros em Bruxelas, marcada para começar quatro dias antes do
encontro de Miami.
Cuba – “A bola está
com a Europa. Nossa proposta de acesso a mercados está pronta e, se eles forem
espertos, cedem na questão agrícola. Em contrapartida, abriremos o Mercosul e
teremos, em curto prazo, quem sabe até antes do final de 2004, um verdadeiro
acordo que mudará o panorama econômico mundial”, torce o embaixador da
Argentina no Brasil, Juan Pablo Lohlé. Aliás, foi um colega seu lotado em
Havana, Raul Taleb, o autor da principal provocação da semana: ele sugeriu o
ingresso de Cuba no Mercosul, para desgosto dos negociadores americanos da Alca,
cuja postura habitual é ignorar solenemente o país de Fidel Castro.
A negociação com a Europa, na
verdade, não exclui a participação do bloco na Alca, desde que as regras
draconianas dos americanos (mais rigorosas até do que as da OMC) mudem. Isso
ficou claro no discurso do presidente Lula no encerramento do IV Fórum
Empresarial Mercosul-União Européia, na quarta-feira 29, em Brasília.
“Dizem que não queremos negociar a Alca. Pelo contrário. O que não queremos
é ser derrotados na Alca. Se der empate, está ótimo. Queremos é defender
nossa economia, nossa indústria, nossa agricultura, nosso comércio, nosso
emprego e nossa soberania”, afirmou.
A platéia, formada por grandes
empresários europeus e brasileiros, aplaudiu satisfeita. O encontro foi um bom
exemplo de que, enquanto os EUA e o Mercosul seguem às turras na Alca, as relações
com a Europa vão bem, com um acordo sendo costurado na surdina, mas com competência,
tanto pelos diplomatas quantos pelos setores empresariais.
Os dois blocos já costuraram
acordos nos setores automotivo, siderúrgico, petroquímico e de medicamentos,
entre outros, e acertam os ponteiros nas questões das compras governamentais e
na propriedade intelectual. “Temos grande interesse na formação desse bloco
birregional. E a presença do presidente Lula, dando toda força ao Mercosul,
amplia nossas expectativas a níveis impensados meses atrás”, diz o empresário
Guy Dollé, co-presidente europeu do Fórum.
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