Ataque
direto à raiz
Pesquisa comprova teoria e mostra que bloquear os
vasos sanguíneos que alimentam o tumor é uma estratégia eficaz
Lena Castellón – Chicago
Maior congresso de câncer no mundo, o encontro anual da Sociedade Americana
de Oncologia Clínica – ocorrido na semana passada, em Chicago, nos Estados
Unidos, com a participação de cerca de 25 mil especialistas – teve um
momento especial. Foi quando o médico Herbert Hurvitz, da Duke University
(EUA), apresentou uma pesquisa com 925 pacientes que faziam quimioterapia.
O trabalho foi aplaudido de pé. Pudera. É a primeira vez que um estudo clínico
consegue mostrar o
que se sabia em teoria: bloquear os vasos sanguíneos que irrigam e alimentam as
células malignas é uma arma eficaz contra o inimigo.
No meio médico, esse processo é conhecido como
angiogênese. O tumor cria
vasos para crescer e se multiplicar mais facilmente. Como se fosse um
agrupamento de pára-quedistas invadindo uma área, as células malignas
precisam de uma linha de suprimentos para sobreviver. Além disso, os vasos
desenvolvidos pelo câncer permitem a propagação da doença. Os cientistas
identificaram algumas substâncias envolvidas nesse mecanismo. Uma delas é uma
proteína chamada de fator de crescimento vascular endotelial (ou VEGF, na sigla
em inglês), que dá a ordem para que os “caminhos” sejam abertos. Trata-se
de um elemento presente em grande quantidade nos tumores. Diversas drogas estão
em teste para tentar inibir a formação desses vasos e algumas atuam exatamente
sobre os receptores do VEGF. O estudo de Hurvitz, que avaliou uma delas, é o
primeiro a apresentar resultados animadores. Os pacientes tinham tumores no colo
e no reto em fase de metástase (quando o tumor se espalha pelo corpo). Parte
dos pacientes recebeu um esquema tradicional de quimioterapia, o IFL. Outra foi
tratada com o IFL e mais o remédio bevacizumab (que bloqueia a mensagem dada
pelo VEGF). O segundo grupo teve sobrevida maior: 20,3 meses contra 15,6 meses
do primeiro. Além disso, o bevacizumab diminuiu o tamanho dos tumores pela
metade em 45% dos pacientes. A quimioterapia-padrão obteve o mesmo sucesso em
35% dos doentes.
Apesar disso, Hurvitz, que coordenou o estudo, pediu cautela. Ele ressaltou
que, por ora, especular sobre o uso da droga em outros esquemas de quimioterapia
pode ser prematuro. O brasileiro Gilberto Schwartsmann, professor de oncologia
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, faz o mesmo alerta. “É muito
cedo para se pensar que a antiangiogênese vai resolver todos os problemas. O
que se mostrou é que a idéia funciona”, reforça. De qualquer forma, o
trabalho sinaliza que há boas perspectivas envolvendo a terapia. “A pesquisa
é encorajadora. É o primeiro passo dado numa importante estrada nova”, disse
Hurvitz. O oncologista Paulo Hoff, do Hospital Albert Einstein, de São Paulo,
concorda com ele. “Finalmente se validou o conceito da antiangiogênese”,
afirmou. Hoff presidiu a mesa sobre câncer colo-retal. Hurvitz participou desse
painel, um dos mais disputados do congresso.
Combinação – Na mesa foram debatidos estudos que
avaliaram a eficácia de algumas drogas da linha targeted therapy (terapia
alvo-direcionada), que agem especificamente sobre o tumor. Entre elas, estava o
cetuximab, outro remédio em fase experimental. A molécula inibe o receptor do
fator de crescimento epidérmico (ou EGF), que estimula a produção de células
que revestem o tumor. Numa pesquisa européia, ela foi administrada a 329 voluntários
que já não respondiam à quimioterapia convencional. “Essas pessoas não
melhoravam porque as drogas tinham perdido o efeito. Com a medicação, 20% dos
casos se mostraram sensíveis ao tratamento”, comenta Artur Katz, também do
Einstein.
Ainda em relação aos tumores
colo-retais, mais uma boa notícia. Um estudo
que envolveu 20 países e 2.246 doentes demonstrou que o medicamento injetável
oxaliplatina, dado com um esquema-padrão de outros três quimioterápicos,
reduziu em 23% o risco de recorrência de tumores em pacientes que já tinham
passado por cirurgia. “É um índice significativo”, declarou o francês
Aimery de Gramont, principal investigador desse trabalho. A pesquisa indica que
há chances maiores de o doente se afastar do perigo.
Ao aluno , com
carinho
O tratamento contra o câncer é uma fase complexa. Por conta disso, o cotidiano
dos pacientes precisa ser adaptado durante o período da terapia. E há algumas
vezes em que é preciso um esforço extra para que o momento seja melhor aceito.
O projeto Escola Móvel, de São Paulo, cumpre esse papel. Criado em 2000,
atende crianças que deixam a rotina escolar para se tratar (a média de
afastamento é de oito meses). “Nosso trabalho é impedir que a criança perca
o vínculo com a escola”, diz a coordenadora Amália Covic, mestre em educação.
O objetivo não
é simplesmente dar aulas para a garotada. Os professores voluntários solicitam
do colégio uma programação do ano letivo e adaptam o currículo escolar. No
ano passado, por exemplo, as atividades dadas aos pacientes envolviam a Copa do
Mundo. Em geral, a programação é recebida com muita alegria pelos pequenos.
Eles fazem lições e são acompanhados por dois núcleos (exatas e humanidades)
para atingir as metas da escola onde estavam matriculados. “Estudar fica a
critério da criança. Ela decide se quer participar desse trabalho. Mas a
maioria continua os estudos”, diz Amália. É verdade que alguns sentem a
falta dos amigos. Felizmente, porém, há colégios que se dão conta disso e,
graças ao auxílio do Escola Móvel, enviam bilhetes dos alunos para o colega
em tratamento. O projeto atende 110 crianças por mês no Grupo de Apoio ao
Adolescente e à Criança com Câncer (www.graacc.org.br).
Istoé
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