As redes sociais estão recheadas de mensagens preconceituosas contra os nordestinos desde o início da campanha presidencial para as eleições 2014. E, com a reeleição da presidente Dilma Rousseff, houve uma multiplicação do repúdio, que, segundo especialistas consultados pelo UOL, é classificado como crime racial agravado pela visibilidade dos conteúdos ilícitos.
"Quando se caracterizar crime de racismo por induzir ou incitar discriminação/preconceito, a pena pode ser agravada já que o crime está exposto em um meio de comunicação, que tem o poder de disseminação muito maior. É o que diz o artigo 20 da lei 7.716/1989", explicou Cristina Sleiman, advogada especialista em direito digital.
Ainda assim, segundo o especialista em segurança digital Wanderson Castilho, há muitos conceitos do mundo analógico enraizados naqueles que usam o mundo digital.
"Conversas de bar, acabam parando nas redes sociais. A questão é que, na mesa do bar, você pode se arrepender do comentário, na internet esse conteúdo ganha uma proporção inimaginável", afirmou Castilho, que diz ser muito comum o tão defendido direito de liberdade de expressão extrapolar seus próprios limites.
Liberdade que, como descreveu Cristiana, é garantida na internet, mas está diretamente relacionada à responsabilidade.
"Todos podem falar o que quiser. Precisam, no entanto, ter ciência de que são responsáveis por todas as consequências que essas opiniões possam causar e até reparar os dados que elas possam vir a causar."
Mas nem mesmo a falsa sensação de anonimato pode deixar o internauta que transcorreu esse tênue limite se livrar da responsabilização. "Há mecanismos garantidos pelo Marco Civil que auxiliam na identificação dos autores de crimes virtuais --desde os mais graves até os mais leves, como é o caso dos crimes contra a honra ou do racismo", disse Caio Lima, advogado especialmente em tecnologia do escritório Opice Blum.
O anonimato, afirma Castilho, pode ainda aumentar a gravidade do delito.
"Se ele opta pelo anonimato, pressupõe-se que ele já saiba que está cometendo um tipo de crime e/ou prejudicando um terceiro. E se usa o nome ou a foto de outra pessoa, poderá responder ainda por falsidade ideológica", afirmou o especialista, que destacou que o anonimato por si só já é um crime.
E o crime não é cometido apenas pelo autor das mensagens. O compartilhamento e as curtidas de conteúdo preconceituosos --seja contra uma determinada regionalização ou contra raça ou classe social-- também podem classificar crimes.
"A legislação não prevê essas situações, até porque a internet ainda é muito nova no país, mas, o que temos vistos, é que muitos juízes têm penalizado àqueles que compartilharam ou se manifestaram a favor da mensagem do mesma forma que àqueles que a criaram", afirma Lima.
As penalidades para crimes de racismo --que também prevê punições aos atos cometidos nas redes sociais-- variam de dois a cinco anos de reclusão e/ou multa.
"O valor da multa varia muito de caso para caso, mas se estiver relacionada ao dano moral gira em torno de R$ 10 mil a R$ 15 mil." Segundo ele, as prisões nesses casos são bem difíceis devido à gravidade do ato, mas não impossíveis.
Castilho recomenda que os internautas não se deixem guiar pela falsa sensação de impunidade que os crimes virtuais têm.
"Muitos acreditam que estão blindados de qualquer punição, mas não é bem assim. Essa impunidade está muito mais relacionada à falta de denúncias do que à resolução dos casos. Em 95% dos casos denunciados, os ´agressores´ são tecnicamente encontrados e punidos." Como denunciar
Toda e qualquer pessoa que se sentir ofendida por qualquer comentário no Facebook, mensagem no WhatsApp ou em qualquer outra ferramenta virtual deve registrar a denuncia.
Basta procurar qualquer delegacia para registrar um boletim de ocorrência ou, se preferir, recorrer ao Ministério Público Estadual --caso a ofensa tenha sido privada--ou ao Ministério Público Federal --se o conteúdo preconceituoso tiver uma abrangência nacional. O contato com esses órgãos pode ser online.
Com a proliferação das mensagens preconceituosas contra os nordestinos, a OAB-BA (Ordem dos Advogados do Brasil seção Bahia) disse estar aberta para receber denuncias, que devem ser encaminhadas para o e-mail direitoshumanos@oab-ba.org.br, e encaminhar os casos ao Ministério Público. Atitude similar também foi tomada pela OAB de Pernambuco.
Cristina também cita o site SaferNet, que recebe denúncias de crimes digitais. Mas, independente do caminho escolhido, a advogada recomenda que a vítima preserve às provas. "O ideal é ir ao cartório registrar uma ata notória, onde um tabelião vai visualizar o conteúdo e reconhecer a sua existência. Essa é uma prova a temporal que dificilmente pode ser contestada pelo agressor." O custo do documento varia bastante, mas, segundo Lima, gira em torno de R$ 80 a R$ 300 por página. Na falta da ata notória, vale dar um print na tela da mensagem ou imprimi-la.
Para Castilho, é importante ainda que a vítima não responda a ofensa, já que ela corre o risco de recair sobre o mesmo delito.
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