Sistema de segurança
imita peixe-lanterna
REINALDO JOSÉ LOPES
da Folha de S.Paulo
Peixes das profundezas do oceano, aonde a luz mal chega, se tornaram a inspiração
de um sistema computadorizado de reconhecimento de rostos criado por
pesquisadores brasileiros. Assim como bichos das regiões abissais, o programa
usa um padrão de sombras para decifrar o formato da face e evitar enganos
perigosos.
O Sorface (sigla para Sistema Óptico de Reconhecimento de Face, um trocadilho
com "surface" -"superfície" em inglês) nasceu do trabalho
do engenheiro eletrônico Jorge Muniz Barreto e colegas do Departamento de
Informática da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).
A idéia, por enquanto, é usar o Sorface de forma estática: "O cenário
que estamos estudando não é o de uma pessoa andando, mas o acesso ao cofre de
um banco ou à diretoria de uma firma", afirma o pesquisador.
Ensinar um computador a reconhecer rostos não parece um grande desafio tecnológico,
mas Barreto explica que os sistemas automatizados penam, entre outras coisas,
para "entender" a variação de volume, que é uma das principais
marcas que diferenciam uma pessoa da outra.
Luz biológica
Para contornar essa limitação, a equipe procurou uma luz na biologia. Entraram
em cena os peixes abissais -espécies esquisitas que habitam regiões do oceano
abaixo de 200 metros de profundidade e, em muitos casos, precisam produzir sua
própria luz.
Esses peixes têm um pedúnculo luminoso acima dos olhos, cheio de vasos
circulatórios. Esses vasos filtram a luminosidade produzida pelo pedúnculo, e
a luz, ao passar por essa rede de veias e artérias, projeta um padrão de
sombras sobre os objetos circundantes.
É graças a esse padrão que os peixes conseguem identificar pequenas presas ou
peixes maiores, dos quais é melhor fugir. "Na verdade, é como se houvesse
um computador no cérebro do peixe que traduz o padrão de sombras em
volume", afirma Barreto.
No Sorface, uma fonte de luz coberta com uma tela cria um padrão de linhas
horizontais. Essa rede de sombra é projetada sobre o rosto da pessoa, que então
é fotografado digitalmente e transformado num arquivo de computador (veja
quadro à esquerda).
Por sorte, boa parte da matemática usada para relacionar variações de sombra
com volume já havia sido elucidada há mais de um século, num método
conhecido como perfilometria de Fourier, diz Barreto. Coube aos pesquisadores
adaptar isso aos contornos complicados do rosto humano e "treinar" o
computador para que ele reconhecesse os padrões.
Na prática, o sistema teria de envolver um banco de dados com os rostos
fotografados das pessoas com acesso permitido a determinada área. Quando fosse
o caso de entrar no recinto guardado pelo Sorface, a pessoa precisaria se
submeter de novo ao processo para garantir que ela é quem diz ser.
Os resultados têm sido satisfatórios, diz Barreto: "Após mais de mil
imagens testadas, o nível de erro é quase nulo. Estamos no final da fase de
desenvolvimento e temos interesse em encontrar uma indústria que queira levar o
projeto à fase de produção".
Para o engenheiro, ainda é cedo para pensar em usar o Sorface como ferramenta
de segurança em tempo real, vasculhando a multidão em busca de criminosos ou
terroristas. O sistema ainda não está maduro: "Se a pessoa quiser enganar
[a câmera], engana mesmo", diz Barreto.
Para que o sistema consiga acompanhar de forma precisa multidões em movimento,
vai ser preciso aguardar o surgimento de computadores mais potentes e de novas técnicas
de análise de imagem, avalia o pesquisador.