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Aparelho permite que cegos
'vejam' fazendo uso do som
LAKSHMI SANDHANA
da BBC, em Londres
Michelle Thomas está aprendendo a "ver", mas não com seus olhos --e
sim com seus ouvidos. Para fazer isso, ela tem usado uma câmera instalada em um
telefone celular.
Cega desde o nascimento, Thomas já consegue identificar as paredes e as portas
de sua casa, determinar quando as luzes estão acesas ou apagadas e até distingüir
um CD de um disquete.
Há pouco mais de uma semana, ela começou a usar o revolucionário novo sistema
que a permite a cegos "ver" utilizando o som.
O aparelho, desenvolvido pelo cientista Peter Meijer, do Laboratório de
Pesquisas Philips, na Holanda, se chama The vOICe.
Jogo de palavras
O nome do sistema é um jogo de palavras em inglês que quer dizer "a
voz" e cujas letras OIC significam "oh, eu posso (ver)".
O dispositivo funciona transformando imagens de uma câmera em movimento em
paisagens sonoras altamente complexas, que são então transmitidas ao usuário
através de fones de ouvido.
O equipamento consiste em uma câmera que é acoplada à cabeça, fones de
ouvido estéreo e um laptop.
O custo total é de US$ 2,5 mil (cerca de R$ 7147,50). O software usado no The
vOICe pode ser baixado pela internet.
Ele acredita que os usuários cegos aprenderão a reconstruir mentalmente o
conteúdo visual das câmeras, reproduzido pelas paisagens sonoras. Dessa forma,
afirma, os cegos poderiam desenvolver uma experiência próxima à do ato de
ver.
"Estamos partindo da hipótese de que o cérebro não está interessado no
veículo que conduz a informação --no caso, o som-- mas sim no "conteúdo"
da informação", afirma Meijer.
"Afinal, os sinais no nervo ótico que uma pessoa com visão normal recebe
nada mais são do que padrões neurais. O que você pensa estar 'vendo' nada
mais é do que seu cérebro recebendo esses padrões neurais", acrescenta.
Som próprio
Ao permitir que os usuários obtenham um instantâneo fotográfico daquilo que
está diante deles, o sistema vOICe está seguindo um caminho distinto do que
seriam "olhos biônicos", como implantes cerebrais e de retina.
É um sistema não-invasivo que oferece uma resolução de imagem maior (de até
7 mil pixels) e que não depende do córtex visual.
A usuária Michelle Thomas afirma que o vOICe "tem um som próprio e uma
vez que você compreende os princípios dele, você sabe o que está
vendo".
O vOICe faz com que áreas mais brilhantes soem mais altas, a altura é indicada
pelo nível do som e um identificador de cores embutido no aparelho faz um anúncio
sonoro com o nome das cores.
O sistema não é capaz de seguir carro em velocidade rápida ou ler letras
pequenas de forma eficaz, mas permite aos cegos identificar edifícios, ler um
gráfico ou até ver TV.
Língua
Meijer compara o uso do aparelho ao ato de aprender uma língua estrangeira.
Ele espera que, a longo prazo, os usuários se tornarão mais
"fluentes" no processo de tradução mental, para que ele se torne uma
percepção natural, sem que um esforço consciente tenha de ser realizado.
Kevin O'Regan, especialista na área de consciência sensorial do Centro
Nacional de Pesquisa Científica, em Paris, na França, está avaliando o The
vOICe.
Ele acredita que, se for aperfeiçoado, o software pode ao menos fornecer sensações
próximas ao ato de ver até mesmo aos cegos de nascença.
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