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Vida na Terra
pode ter nascido de minerais, diz estudo
Da Universidade de Flórida
Pesquisadores da Universidade da Flórida demonstraram que os minerais
foram essenciais para alguns dos primeiros processos de formação de vida na
Terra.
Especificamente, um mineral contendo bórax conhecido como colemanita ajuda a
converter moléculas orgânicas localizadas nas nuvens de poeira interestelar em
um açúcar, conhecido como ribose, que é parte essencial do material genético
conhecido como ácido ribonucleico (RNA). O anúncio representa um passo
fundamental para resolver o mistério quanto ao início da vida na Terra, três
bilhões de anos atrás. As conclusões do novo estudo serão publicadas na
revista "Science". Steven Benner, Alonso Ricardo, Matthew Carrigan e
Alison Olcott tomaram por base de seu trabalho uma famosa experiência realizada
por Stanley Miller 50 anos atrás, e que hoje é parte da maioria dos manuais
científicos. Em 1953, Miller demonstrou que faíscas elétricas em uma
atmosfera primitiva geravam aminoácidos, os blocos de construção essencial
das proteínas.
A experiência de Miller não conseguiu identificar os açúcares necessários
à geração de material genético, no entanto. "O açúcar ribose pode ser
formado com base em precursores interestelares, em condições
pré-bióticas", disse Benner, que comandou a pesquisa financiada pela Nasa
e pela Fundação Nacional de Ciências dos Estados Unidos, bem como pelo
Instituto Agouron, de Pasadena, Califórnia. "Mas a ribose é instável
demais para sobreviver sob as condições vigentes na experiência de
Miller", disse Benner, professor catedrático de química, anatomia e
biologia celular da Universidade da Flórida. "Como a maioria dos
açúcares, ela se transforma em alcatrão se não for tratada cuidadosamente.
É como cozinhar um bolo por tempo demais". Em 1995, Miller abandonou suas
tentativas para criar ribose pré-bioticamente, escrevendo que "o material
genético inicial não deve ter contido ribose ou outros açúcares, devido à
instabilidade destes".
Benner, que é também membro do Instituto de Astrobiologia da Nasa, fez as
primeiras experiências como instrutor do curso de geobiologia ministrado no
terceiro trimestre do ano passado com patrocínio do Instituto Agouron, em
evento do Instituto Wrigley de Estudos Ambientais da Universidade do Sul da
Califórnia. "Fizemos duas perguntas. Primeiro, que moléculas orgânicas
simples poderiam estar presentes no começo da vida na Terra, como materiais
iniciais para a formação de ribose? Segundo, o que poderia estar presente na
Terra em seu estágio formativo para capturar ribose e impedir que o açúcar se
queimasse como no caso de um bolo assado em excesso?", explica Benner.
Para identificar as moléculas orgânicas simples que possam ter servido como
materiais iniciais, Benner começou a estudar compostos que já foram
localizados em meio à poeira interestelar, como o formaldeído, usado para
preservar tecidos biológicos. "O formaldeído pode não parecer um bom
ponto de partida para a vida na forma em que a conhecemos", disse.
"Mas o processo é simples. Com apenas um átomo de carbono, um átomo de
oxigênio e dois átomos de hidrogênio, há muito formaldeído com que
trabalhar, no Cosmos".
Benner e sua equipe demonstraram que o formaldeído, como outros compostos
interestelares, pode formar ribose e outros açúcares, quando tratado na
presença de materiais básicos como o cal, usado para ajustar o nível de
acidez de jardins, entre outras coisas. O cal se mostrou efetivo, mas a ribose
se decompôs logo depois de formada.
Reconhecendo que a ribose tem uma estrutura química peculiar que permite que
ela se una a minerais contendo o elemento boro, eles decidiram empregar outra
substância em suas experiências, a colemanita. "A colemanita é um metal
contendo borato, encontrada no Death Valley", explicou Benner. "Sem
ela, a ribose se transforma em alcatrão marrom. Com ela, a ribose e outros
açúcares emergem como produtos limpos". Benner a seguir demonstrou
reações semelhantes com outros metais da família do boro, como a ulexita e a
kernita, mais comumente conhecida como bórax.
Benner e sua equipe foram os primeiros pesquisador a obter sucesso na produção
de quantidades significativas de ribose sob essas condições primevas.
Joseph Piccirilli, bioquímico do Instituto Médico Howard Hughes e da
Universidade de Chicago, disse que o trabalho de Benner contém
"simplicidade e brilhantismo".
"Os químicos orgânicos sabem há muito que o boro forma complexos com
compostos como a ribose", disse Piccirilli, "e os cientistas
pré-bióticos há muito acreditam que os minerais desempenharam papel
importante para a origem da vida, nos dias iniciais da Terra". Mas até
agora, "ninguém tinha unido as duas idéias", afirmou.
"Não estamos alegando que é assim que a vida começou", enfatizou
Benner. "Estamos dizendo ter demonstrado uma receita para produzir um
componente essencial da vida sem qualquer maquinaria bioquímica. Quanto mais
receitas do tipo puderem ser encontradas, mais pistas teremos sobre como a vida
pode ter começado na Terra primitiva".
Embora sua melhor classificação seja como ciência básica, o trabalho tem
valor médico e biológico prático. "Curiosamente, pensar sobre como a
vida se originou e que forma poderia tomar em outros planetas nos ajuda a
projetar novas ferramentas para diagnóstico e terapia de doenças", disse
Benner. Ferramentas para diagnósticos que o trabalho dele na busca de formas de
vida alternativas tomou possível são usadas hoje para monitorar a carga de
vírus que causam Aids e hepatite C.
O trabalho também complementa outras pesquisas conduzidas por Benner, centradas
em formas ancestrais de vida na Terra. Em relatório publicado em setembro pela
"Nature", Benner e seus colaboradores deduziram a estrutura de uma
proteína encontrada em uma bactéria que viveu bilhões de anos atrás, e
ressuscitaram a proteína ancestral. Mas ao estudá-la em laboratório, a equipe
inferiu que a velha bactéria vivia em uma fonte aquecida a cerca de 67 graus.
Com as experiências pré-bióticas, Benner diz, "estamos trabalhando em
ordem cronológica, da origem do planeta ao surgimento da vida. Nas
experiências com proteínas antigas, trabalhamos em ordem cronológica inversa,
do mundo moderno às mais primitivas das bactérias. O objetivo do grupo, disse
ele, é que as duas linhas de pesquisa se encontrem no meio do caminho.
Tradução: Paulo Migliacci
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