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Os novos caminhos para
a cura
Remédio que bloqueia criação de vasos sanguíneos inaugura
nova fase no tratamento do câncer
Cilene Pereira,
Juliane Zaché, Lena Castellón e Mônica Tarantino
Colaborou: Celina Côrtes
Como
a droga age no organismo
Os avanços no tratamento de alguns tumores
As descobertas que fizeram diferença do tratamento
No passado, quando se falava
de câncer, costumava-se pensar numa doença terrível, contra a qual nada se
podia fazer. Com o tempo, as perspectivas mudaram. O câncer ainda atinge
muita gente e faz sofrer, mas agora pode ser derrotado, dependendo do estágio
em que for descoberto. Isso a medicina vem demonstrando ano após ano. Além
da criação de remédios mais potentes e com
menos efeitos colaterais, a ciência está desvendando mecanismos bioquímicos
que permitem conhecer mais a fundo a maneira como o inimigo age. Ou melhor,
inimigos. O discurso mais corrente dos especialistas aponta o câncer não
como uma única enfermidade, mas diversas, já que cada tumor tem suas
peculiaridades. Por isso, as frentes de combate às células malignas estão
cada vez mais variadas e funcionando de modo mais localizado.
Hoje, a luta contra o câncer
– celebrada no dia 8 de abril – envolve táticas para atingir o inimigo em
si (bombardeando o tumor) e as estratégias de expansão do exército
agressor. Uma dessas formas é impedir que os tumores sejam alimentados pela
via sanguínea. O sangue carrega oxigênio e nutrientes necessários para seu
crescimento. Sem ele, corta-se o suprimento, impedindo sua atividade. Essa
teoria, chamada de antiangiogênese (inibição da criação de vasos sanguíneos),
é antiga. Em 1998, voltou a ser falada com a divulgação de um estudo do
americano Judah Folkman. O pesquisador identificou duas substâncias –
angiostatina e endostatina – que, em animais, impediram a vascularização
do tumor, matando-o de fome. Mas até hoje não se conseguiu criar uma droga
baseada nesses compostos que tivesse sucesso em seres humanos.
Mas agora a ciência deu uma
utilidade prática à teoria. O Food and
Drug Administration (FDA), órgão americano responsável pela liberação
de remédio, aprovou o bevacizumab (nome comercial Avastin), um remédio
contra o câncer colo-retal que entrará para a história como
a primeira droga a atuar inibindo a criação de vasos sanguíneos. É um
marco que entusiasma. “Estamos avançando. Comprovou-se que a estratégia
funciona”, afirma o médico Artur Katz, do Hospital Albert Einstein, de São
Paulo.
Por sua importância, o remédio
recebeu prioridade de análise pelo FDA. A aprovação inicial foi dada para
tratamento de câncer colo-retal metastático (já se espalhou para outras
partes do corpo). O estudo que serviu de base para avaliação do órgão
americano envolveu 925 pacientes. Os que receberam o Avastin e quimioterápicos
tiveram quase cinco meses a mais de sobrevida, em comparação aos que se
submeteram apenas à quimioterapia. O mecanismo de ação da droga é
inovador. Ela atua sobre os receptores da VEGF, sigla em inglês para fator de
crescimento endotelial vascular. O composto é fundamental no processo de criação
de vasos. Até o fim do crescimento, ele é bastante atuante porque o
organismo precisa fabricar canais de abastecimento para os tecidos que estão
sendo gerados. Na idade adulta, porém, o VEGF não é necessário. Torna-se
útil apenas para as células malignas, que precisam vorazmente de uma rede de
irrigação que sustente a sua proliferação. O Avastin bloqueia a ação do
VEGF, evitando, dessa maneira, a formação do suporte sanguíneo importante
para o tumor.
Como o fenômeno da criação
de vasos é comum aos tumores,
acredita-se que o Avastin tenha enorme utilidade contra outros tipos
da doença (em tese, não teriam indicação apenas para tumores não sólidos
– leucemias e linfomas). É por isso que estão em andamento estudos para
avaliação do efeito da droga contra câncer de mama, pulmão e de células
renais. No Brasil, quatro centros iniciarão uma investigação sobre o remédio
em pacientes com câncer colo-retal metastático. “Analisaremos o Avastin
associado à quimioterapia oral
e à venosa”, explica Artur Malzyne, consultor em oncologia do Hospital das
Clínicas de São Paulo, uma das entidades que participarão do trabalho –
os demais são a Fundação Amaral Carvalho, em Jaú (SP), o Hospital Benjamin
Guimarães (BH), e o Hospital Sírio-Libanês (SP). O Avastin foi criado pelo
Genentech, laboratório do qual a Roche, indústria farmacêutica, é
acionista majoritária. Ele está disponível nos EUA, mas no Brasil ainda não
há previsão para sua chegada. A Roche espera submeter o produto à aprovação
do Ministério da Saúde em dois meses.
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