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Agente duplo
Novo remédio promete combater a obesidade e a
dependência do cigarro
Mônica Tarantino – Nova Orleans (EUA)
Um levantamento apresentado
na semana passada pelo Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos
disparou novo alerta contra a obesidade. De acordo com o órgão, se nada for
feito, o excesso de peso pode se tornar a primeira causa evitável de morte
entre os americanos. Hoje, o posto é ocupado pelo fumo. No entanto, em apenas
dez anos a obesidade atingiu índices muito próximos dos representados pelo
tabagismo. Segundo o CDC, em 1990 o cigarro matou 400 mil pessoas (19% dos óbitos
registrados no país), enquanto problemas provocados pela obesidade causaram
300 mil mortes (14% das mortes). Em 2000, o fumo tirou a vida de 435 mil indivíduos
(18,1% dos óbitos) e a obesidade fez 400 mil vítimas fatais (16,6% das
mortes). Como se sabe, quilos a mais predispõem ao aparecimento de doenças
cardiovasculares e favorecem o desenvolvimento da diabete, entre outros distúrbios.
A divulgação de índices
como esses preocupa bastante a comunidade médica e os órgãos
governamentais. Na semana passada, no entanto, surgiu uma boa notícia,
divulgada durante o 53º American College Cardiology, congresso americano de
cardiologia, realizado em Nova Orleans. Cientistas do laboratório
Sanofi-Synthélabo anunciaram o sucesso de uma substância, o rimonabant, para
atacar simultaneamente o tabagismo e a obesidade, justamente as duas
principais causas evitáveis de morte entre os americanos e certamente entre
boa parte da população mundial. O alvo do rimonabant é o sistema
endocanabinóide, situado no hipotálamo, região cerebral que regula as emoções,
planejamento e memória, entre outras funções. Ele também cumpre papel
importante para o equilíbrio entre o gasto de energia e as reservas do corpo,
atuando na regulação do peso, e está envolvido no desejo de fumar. Muito
estimulado, esse sistema aumenta a necessidade do organismo de obter
recompensas, que podem ser dadas por meio da ingestão de mais comida ou pelo
cigarro, por exemplo. A estrutura ficou conhecida durante as pesquisas para
decifrar a ação da maconha. Descobriu-se que as substâncias ativas da erva
se encaixavam em alguns dos receptores das células que a compõem,
denominados CB1. Receptores funcionam como fechaduras das portas das células.
Para que sejam “abertos”, é preciso que determinada substância se
encaixe perfeitamente neles, como uma chave. No caso da maconha, algumas de
suas moléculas funcionam como chave para abrir as fechaduras das células do
sistema.
Mensagens –
Na busca por recursos contra a obesidade, os cientistas também acharam
receptores CB1 em células de gordura. E descobriram que eles podem ser
“abertos” por outras substâncias, ainda não totalmente identificadas,
mas associadas ao mecanismo de controle de reserva energética do corpo. Uma
vez acionados, eles permitem a ativação das células de gordura, que passam
a enviar ao cérebro o aviso de que é hora de comer para repor energia. A
partir dessa constatação, os cientistas buscaram uma maneira de fechar as
portas das células, bloqueando suas fechaduras, para impedir a sua ativação.
Para isso, criaram em laboratório uma molécula com função inversa à da
maconha. Em vez de abrir, ela fecha a porta. Dessa maneira, é possível fazer
um maior controle de estímulos à estrutura, diminuindo a necessidade de
comida e de cigarro. Nos estudos feitos para verificar a eficácia do
rimonabant, os pacientes obesos que usaram o remédio emagreceram mais do que
os que receberam placebo e os fumantes tiveram maior sucesso em deixar o
cigarro – por um mês, pelo menos – do que os que não utilizaram a substância.
Segundo as pesquisas, o remédio,
que está na fase final de testes, permite ainda uma abordagem mais ampla da
obesidade e de seus riscos. Os estudos avaliaram seu impacto contra
indicadores clássicos de risco para o coração, como o colesterol, e também
contra alterações que fazem parte da chamada Síndrome Metabólica. Trata-se
de uma condição que reúne, em um só paciente, pressão alta, circunferência
abdominal acima de 104 centímetros em homens e 88 em mulher, resistência à
insulina (hormônio que abre a porta das células para a entrada da glicose),
altas taxas de triglicérides (um tipo de gordura) e baixo HDL (o bom
colesterol). “Seu sinal mais evidente é a gordura abdominal”, alerta o
endocrinologista Alfredo Halpern, do Hospital das Clínicas de São Paulo, que
esteve presente no evento em Nova Orleans. Nas pesquisas, o rimonabant elevou
a fração do colesterol bom em 23% e reduziu a capacidade destrutiva da fração
ruim (LDL) sobre as artérias. “É uma ação impressionante, que baixa o
risco de doenças cardiovasculares”, avalia o cardiologista Juliano Lara
Fernandes, do Instituto do Coração de São Paulo, que também participou do
congresso.
Além disso, a droga diminuiu
a presença de outras gorduras, como o triglicérides e a temível gordura
abdominal, e a resistência à insulina, mecanismo que pode levar o pâncreas
à falência e trazer a diabete. No entanto, não foram divulgadas informações
sobre seus efeitos em algumas funções desempenhadas pelo sistema. E
pesquisadores manifestaram preocupação em relação a eventuais consequências
negativas em outras doenças neurológicas. De qualquer maneira, o remédio
promete, mas obviamente não é uma pílula mágica. “O rimonabant será
mais uma possibilidade importante de tratamento, aumentando as chances de
sucesso contra a doença”, disse o endocrinologista Amélio Godoy, do Rio de
Janeiro, outro que participou do congresso. O laboratório Sanofi-Synthélabo
estima que o remédio, que terá o nome comercial Acomplia, chegue ao mercado
em dois anos.
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