Você sabe vender?
Maria Tereza Gomes

Eis o vendedor disputado a tapas pelas empresas: bem formado, capaz de negociar parcerias e de gerar lucro para o cliente

Uma mãe aflita com o filho desempregado aborda o diretor de uma empresa, conhecido da família:
- Eu tenho um filho alto, bonito e conversador. O senhor não pode arranjar um emprego para ele?
- A senhora sabe, a situação está ruim... - esquiva-se o diretor.
- Qualquer coisa, nem que seja de vendedor...

A piada é famosa entre os vendedores. Mas não deveria causar risos. Ela revela o mais perverso dos preconceitos contra qualquer profissão - denota desdém, menosprezo, referência a algo menor. O pior: a piada mostra claramente como o pessoal de vendas foi visto durante décadas no país. Vendedor era sinônimo de uma pessoa que "vende dor", a que aparece para arrancar coisas do cliente. Não era o cara da solução. Era o cara a ser evitado ou, quando inevitável, o cara que devia ser colocado em seu devido lugar - na cadeira de plástico da sala de espera.

"Vendas nunca teve o glamour do marketing", diz Carlos Eduardo Jardim, vice-presidente de assuntos corporativos da Kaiser. Com todo respeito ao pessoal de marketing, o que Jardim quer dizer é o seguinte: vendas sempre foi, na maioria das empresas, o primo pobre do marketing. Uns têm verba para filmar comerciais em Itaparica, Recife ou seja lá onde a campanha publicitária exija. Outros passam seus dias dentro de um Gol 1.0, sem ar-condicionado, correndo de um cliente para outro. O vendedor, na maioria das vezes, era uma figura desprezada dentro da empresa, com pouco ou nenhum treinamento.

Essa imagem é coisa do passado? Sim, em muitas empresas - especialmente nas maiores e mais competitivas. Essas empresas perceberam que nenhum outro cargo está ligado de maneira tão direta à produção de faturamento quanto o de vendedor. Por isso, elas estão, de um lado, prestigiando cada vez mais o vendedor. E de outro, creiam, não querem mais saber do vendedor. Pelo menos, não do velho vendedor descrito na piada. Os novos vendedores, em muitos casos, precisam ter curso superior, fluência numa segunda língua, serem letrados em informática. Em contrapartida ao trabalho temporário, as empresas agora estão oferecendo uma profissão. Uma profissão, diga-se, que paga muito bem. Um novato com essas qualificações pode sair ganhando 4 000 reais por mês. É bastante para quem está começando. Mas, antes que os seus olhinhos comecem a brilhar, saiba que não basta preencher os requisitos técnicos de formação acadêmica. "O bom vendedor do começo de milênio é o profissional que tem uma visão financeira da venda", diz Laís Passarelli, headhunter de São Paulo.

Opa! A vida de vendedor ficou mais complexa? Sim, sim, sim. Tão complexa quanto a de qualquer outro profissional que ganha a vida no mundo corporativo nesta era de pós-reengenharia, pós-downsizings e, no caso específico do Brasil, pós-inflação. "A vida do vendedor era muito fácil na época da inflação. Bastava acenar com uma nova tabela de preços para tirar o pedido", diz Eduardo Botelho, ex-vendedor com quatro décadas de experiência e dono da Treinamento Eficaz, empresa de consultoria com sede em São Paulo. Botelho acaba de lançar o livro Como Gerar Lucros Para Seus Clientes e Vencer em Vendas (Editora Gente), no qual compara o velho e o novo vendedor.

Resultado: comprador e vendedor mantiveram-se em lados opostos do balcão por décadas e décadas. Um tentava tirar o máximo do outro. Valia a lei do mais forte, ou a do mais esperto. O Plano Real, por ter desnudado a ineficiência das empresas, jogou um balde de água fria sobre essa rede de intrigas. As empresas não conseguiam mais viver da ciranda financeira. O vendedor não podia mais só tirar pedidos. Assim, finalmente vendas passou a ser vista como deve ser: o setor que leva dinheiro para dentro da empresa. "Não adianta ter um ótimo produto, um controle de qualidade nota 10, a produção impecável. Se a área de vendas não estiver tinindo, não há empresa de sucesso", diz Roberto Bogus, diretor comercial da Mercedes-Benz. Pode parecer que Bogus esteja puxando a sardinha para o seu lado - afinal ele é um dos executivos de vendas mais respeitados (e caros) do país. Mas veja o que diz, na mesma linha, o consultor americano Robert Tucker no livro Agregando Valor ao Seu Negócio (Makron Books): "O cenário econômico mudou e está mudando. E em nenhum lugar isso é mais presente do que em vendas".

Antes de seguir em frente, uma explicação: essa não é uma reportagem apenas para vendedores. O assunto "vendas" interessa a todo mundo. Pense bem: todos nós estamos sempre vendendo alguma coisa. Se não é um produto, é uma idéia, um serviço, um projeto, um contrato. Saber vender é, hoje em dia, uma qualidade valorizada em qualquer profissão. "Quando estava defendendo uma causa (eu atuava como advogado), tinha a nítida sensação de que estava vendendo a defesa do meu cliente para os jurados", diz Jardim, da Kaiser. "Hoje sou um vendedor de idéias. Vendo a imagem da minha empresa para o mercado." O menor cargo executivo na hierarquia da Kaiser é o de coordenador de vendas. Jardim acha que essa deveria ser a descrição a ser colocada por todos os presidentes de empresas em seus cartões de visita. "É a função primordial de qualquer empresa", diz Jardim.

O que de fato vai fazer de você uma estrela de vendas neste finalzinho de milênio, começo do próximo? A primeira coisa a lembrar é o que dissemos acima: vender hoje é uma profissão complexa e exigente. O vendedor não vive mais de um sorriso ou de um sapato brilhante. Até bem pouco tempo atrás, o pessoal vendia sem considerar seriamente as necessidades dos clientes. A abordagem envolvia frases desgastadas, apresentações decoradas, técnicas manipuladoras e estratégias capengas para fechar negócios difíceis. Esses métodos não funcionam mais. Depender deles é uma receita infalível para um desastre em vendas. Outra pedra no meio do caminho dos vendedores: na economia globalizada, interligada e competitiva, não há mais produtos que se vendem sozinhos. "Os métodos tradicionais de venda eram baseados unicamente na reputação do produto", diz Tucker. "Hoje o mercado exige um time de vendas que se concentre no atendimento das necessidades específicas de cada cliente."

Para ser uma estrela de vendas você vai precisar de:

Aptidão para vender - Sim, continua sendo fundamental. Você tem que ser o cara que produz receita para a empresa. E não vai conseguir isso reclamando do tempo, da crise, do trânsito e da alta do dólar não vende nem mel para abelha. Lembre-se: mais do que um produto, você vende um sonho, uma solução.

Conhecer bem o produto - O seu e também o dos concorrentes. Terá de saber quais as vantagens e desvantagens de cada um, a ponto de poder discorrer sobre suas particularidades e tendências do setor. Assim, você se torna uma peça valiosa, um consultor do cliente na tomada de decisões.

Conhecer o cliente - Coloque-se no lugar dele. Arregace as mangas por ele. Saiba o que dá lucro e o que pode agregar valor. Para isso, você precisa saber quais são as reais necessidades de quem compra.

Ser parceiro do cliente - Faça um teste com cada transação: se o negócio for bom para você e para o cliente, esse é um bom negócio. Se não for bom para um dos dois, esqueça. Fazer a coisa certa, mesmo quando isso se traduz em perder vendas, significa preocupar-se mais com o relacionamento do que com a venda. O resultado disso é que você ganhará a confiança do cliente, e portanto o terá como parceiro no longo prazo.

Facilitar a vida do cliente - Como? Seja parte da solução e não dos problemas dele. Cumpra os prazos prometidos, apareça na hora marcada, tenha sempre um novo produto que agregue valor ao negócio do cliente.

Vender valores - Mais do que vender apenas um valor, é preciso vender um conjunto de qualidades. Para isso, o vendedor tem de agir com honestidade, com responsabilidade, com boa educação. Não se comporte como alguém que deseja fechar o negócio o mais rápido possível. Esse comportamento é inimigo da honestidade. Fale a verdade sempre. A estrutura da casa está corroída pelo cupim? O motor do carro está engasgando? É melhor falar já. "Se sinto que meu cliente quer um produto que eu não tenho, digo claramente", diz João Henrique Figueiredo, diretor executivo da Fiori Veículos, em Recife, o maior revendedor Fiat do país. "Perco a venda, mas crio uma relação profunda. Toda vez que quiser um carro novo, ele virá até minha empresa."

Não é difícil entender por que o perfil do vendedor mudou. Os varejistas, de um lado, e as indústrias, de outro, mudaram antes. Vejamos da ótica do varejo. Até o início do Plano Real, vender produtos era uma atividade menor dos varejistas. Os ganhos financeiros jogavam para debaixo do tapete todas as suas ineficiências. Só que em 1994 o Real chegou. E com ele chegaram também grandes redes multinacionais, como Wal-Mart, dos Estados Unidos, e Sonae, de Portugal. Essas redes trouxeram para o Brasil uma metodologia de gestão do varejo conhecida como ECR, sigla em inglês para Resposta Eficiente ao Consumidor. O ECR, um substituto do just-in-time, pressupõe a utilização de um software batizado com outra sigla, EDI. O EDI faz o seguinte: cada vez que você vai ao supermercado e compra um molho de tomate de uma marca X, o sistema avisa ao fabricante que há uma unidade a menos no estoque do cliente. Resultado: a reposição do estoque do supermercado é automática. O que isso significa? Que um simples software está substituindo uma legião de tiradores de pedidos que trabalhavam para as indústrias. A novidade é ótima para as indústrias: em vez de tirarem pedidos semanais, elas conseguem fechar parcerias de longo prazo.

Não foi exatamente um software que fez surgir o novo vendedor. Mas adotar esse sistema de gestão pressupõe, para os fabricantes, ter profissionais mais preparados na sua ligação direta com o cliente. O vendedor clássico está sendo substituído por executivos capazes de costurar parcerias com os clientes. Até mesmo os termos vendedor, vendedora ou pessoal de venda estão cada vez mais em desuso. Em seu lugar estão surgindo gerente de contas, consultor de vendas, e assim por diante. Os nomes mudaram porque a natureza da função mudou.

 

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