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Robôs criados nos EUA se
reproduzem como seres vivos
SALVADOR NOGUEIRA
da Folha de S.Paulo
O sonho de John von Neumann e o pesadelo de Eric Drexler ficaram mais próximos
hoje. Um quarteto de cientistas da Universidade Cornell, nos Estados Unidos,
acaba de anunciar a criação de um robô que é capaz de criar réplicas de si
mesmo. É isso mesmo: ele se reproduz.
A idéia de que máquinas pudessem se valer dessa propriedade, que hoje é
exclusividade de seres vivos e programas de computador, não é nova. O húngaro-americano
Von Neumann (1903-1957) foi o primeiro cientista a estudar de forma rigorosa a
matemática envolvida em máquinas auto-replicantes.
Mais tarde, outros especularam que as chamadas "sondas de Von Neumann"
seriam a melhor maneira de explorar a galáxia --elas se replicariam usando matéria-prima
de cada corpo celeste em que pousassem, multiplicando exponencialmente o
potencial da missão e rapidamente visitando todos os sistemas da Via Láctea.
Partindo delas, o nanotecnólogo americano Eric Drexler (1955-) imaginou o pior
dos pesadelos --máquinas nanoscópicas (comparáveis ao tamanho de moléculas)
que se multiplicam incessantemente até converter a superfície da Terra numa
imensa gosma cinza ("grey goo", em inglês).
Hod Lipson, líder do grupo que criou os robôs auto-replicantes, não
compartilha esses medos. Quando questionado sobre se essas pesquisas deveriam
ser desencorajadas, pelo perigo que poderiam proporcionar no futuro, ele diz que
"neste caso, os benefícios potenciais claramente pesam mais que os
riscos".
Instruções
Os robozinhos que ele construiu são compostos por módulos em forma de cubo,
com dez centímetros de lado e duas metades giratórias. Ímãs nas laterais dos
cubos servem para fornecer a conexão.
Cada cubo tem sua própria programação, que oferece as instruções para que
um conjunto de cubos crie um outro conjunto, igual a ele mesmo. Claro, para que
isso aconteça, os robôs precisam ser supridos de eletricidade e de novos cubos
--sem essa matéria-prima, as máquinas não podem se multiplicar.
E, para terminar a rotina de segurança, as máquinas estão programadas para só
se multiplicar duas vezes. Sem dúvida, um mau dia para a "grey goo".
O trabalho de Lipson e seus colegas, apresentado na edição de hoje do periódico
científico britânico "Nature" é a auto-replicação mais
sofisticada de robôs já realizada, mas não a primeira.
Antes deles, em 1957, o físico Roger Penrose usou peças de madeira que se
organizavam em certos padrões com mais freqüência que em outros. E em 2001 um
grupo da Universidade Johns Hopkins fez robôs de lego capazes de montar lego. A
grande contribuição do novo estudo não é tanto o fato de que suas máquinas
podem se replicar, mas que também o de que podem crescer no processo.
Evolução
O grupo de Lipson ganhou fama em 2000, ao elaborar um programa de computador que
fazia "evoluir" projetos de robôs e depois os construía sozinho.
Agora eles desenvolveram robôs que se multiplicam, com base numa programação.
"O que queremos fazer agora é juntar as duas coisas e criar robôs que
evoluam sozinhos e se reproduzam", conta Lipson.
Embora o pesquisador não pense nessa tecnologia como uma legítima precursora
das sondas de Von Neumann (a idéia não é se multiplicar indefinidamente com
base em recursos locais), Lipson pensa que ela pode ser muito útil na exploração
espacial.
Futuras sondas não-tripuladas poderiam ser concebidas como módulos que a própria
máquina pudesse reorganizar, de acordo com a tarefa a realizar ou com
potenciais danos a serem feitos. "A auto-replicação é apenas o caso
extremo do auto-reparo", ele diz.
"A Nasa [agência espacial dos Estados Unidos] está considerando isso
seriamente", prossegue. "Não só nós, mas outros grupos, do MIT e da
Universidade do Sul da Califórnia estiveram em contato com a Nasa para propor
idéias de como aplicar isso à exploração espacial."
Para Lipson, nem todas as missões se beneficiarão da nova estratégia. Mas,
segundo ele, as mudanças poderiam ser para já. "Acho que a tecnologia já
está pronta, é só uma questão de política, mudar o paradigma de como se
projeta robôs para exploração."
A maior contribuição do seu trabalho não é no âmbito prático. É a noção
de que a separação entre sistemas replicantes e não-replicantes é cheia de
tons de cinza. "Não é uma coisa de preto e branco", diz. Com isso,
se torna possível conceber uma escala de "replicabilidade", que
servirá aos engenheiros como parâmetro pelo qual se guiar na hora de aperfeiçoar
robôs replicantes.
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