Ainda que o Novo Código Civil Brasileiro
(NCC), já em vigor, não conte com
um capítulo específico para as questões eletrônicas, algumas disposições são
diretamente aplicadas às questões jurídicas da Internet, de forma positiva,
ampliando os mecanismos legais de proteção nesse novíssimo ramo do direito.
Inicialmente, destacamos o reforço legal (1) na responsabilidade do
administrador, que, agora, ainda mais, deverá não só agir nas questões
preventivas, mas também nas reparatórias. Vale dizer que os diretores,
gerentes ou CSOs (Chief Security Officers – Chefes de Segurança - responsáveis
por sistemas informáticos) têm o dever legal de não só “fechar”
vulnerabilidades em sistemas eletrônicos, mas também processar os responsáveis
por invasões, fraudes e outros ilícitos digitais, conforme consta no Livro II,
o direito da empresa (parte especial).
Os negócios eletrônicos também foram privilegiados com as disposições da
recente Lei exaltando a boa-fé, finalidade social, usos e costumes. Significa
dizer que houve uma preocupação em garantir a manifestação de vontade por
qualquer meio, especialmente no eletrônico, já incorporado à nossa tradição
tecnológica e que pode ser equiparado à contratação via telefone, nas situações
em que efetivamente ocorra a transação “ao vivo”, configurando-se uma
contratação entre presentes, como preceitua o Livro I, das obrigações (parte
especial).
A prova eletrônica foi, final e taxativamente reconhecida, o que deve
fomentar o comércio eletrônico com certificação digital nos termos da Medida
Provisória 2.200-2/01, que ensejou, inclusive, veto presidencial parcial à
incorporação ao parágrafo único (2) do artigo 154. Anotamos, ainda, a
admissibilidade a emissão de títulos de crédito a partir de caracteres
criados em computador.
Quanto à responsabilidade civil, importantes reflexos poderão afetar os
mais diversos entes que transacionarem na Internet. Dentre inúmeras questões
trazidas, selecionamos duas: a responsabilidade do provedor e daquele que envia
mensagens não solicitadas (spammer).
O primeiro deverá, preventivamente, rever e aditar os contratos celebrados
com seus respectivos clientes (hóspedes) de modo a garantir a possibilidade
legal da participação conjunta em processos judiciais. Isso em função do
instituto da responsabilidade objetiva (independente da culpa) trazida pelo
citado diploma e que poderá gerar interpretações nesse sentido, ainda que
contrária à nossa opinião, ou seja, de que o provedor seria o responsável
direto pelas atividades dos clientes que hospedam seus sites em seus servidores.
Exemplificando: identificado um site na Internet de conteúdo difamatório, o
magistrado poderá interpretar a norma como sendo o provedor o responsável primário
pelo ato ilegal, o que colocaria em risco tal atividade, caso não haja a
possibilidade da responsabilização do efetivo causador do prejuízo (hóspede)
no mesmo processo, exceções feitas às situações que envolverem o Código do
Consumidor. Acrescente-se que, quanto ao registro de logs, acessos, informações
e cadastros, o provedor fica integralmente responsável pela preservação de
tais dados por no mínimo três anos, sob pena de responsabilidade pela omissão
(o que poderá gerar, sem qualquer dúvida, impunidade aos ilícitos eletrônicos,
e que jamais poderá subsistir na ordem legal nacional).
O segundo (spammer) encontrará mais dificuldades na sua atividade, repudiada
por grande parte da população mundial, que consiste no envio indiscriminado de
mensagens eletrônicas com os mais criativos conteúdos, muitas vezes nocivos
aos destinatários. O Livro III, dos fatos jurídicos, abre a possibilidade de
restrição na fonte, ou seja, impedir a conduta descrita em conjunto com
indenizações contra o spammer que poderá sofrer óbices do Judiciário na
respectiva prática. É uma grande inovação, vez que até a entrada em vigor
do Novo Código as possibilidades de atuação eram restritas ao momento
posterior ao envio. Dessa forma, apenas indenizações foram pleiteadas, sem a
possibilidade legal de restrição da atividade em função do princípio
constitucional da reserva legal. Agora o cenário é outro, inclusive quanto a
atuação do Ministério Público.
A privacidade, igualmente, não foi esquecida. Pelo contrário, notamos uma
preocupação do legislador nessa proteção, ainda que de forma genérica e com
ampliação do poder do magistrado, que formará sua convicção, caso a caso,
com a possibilidade de adotar quaisquer providências necessárias à proteção,
incluindo multas e outras restrições adequadas ao ambiente eletrônico. O
Livro I, das pessoas, trata do tema e destaca a proteção da divulgação de
escritos, da transmissão da palavra, e da exposição ou utilização da imagem
das pessoas físicas ou jurídicas que poderão ser proibidas de imediato,
inclusive se o intuito for apenas comercial, sem falar em prejuízo no tocante
à fama, honra e respeitabilidade, questões também protegidas pelas normas
citadas. A disposição poderá ser aplicada, ainda, em ocorrências
relacionadas à coleta de dados, comercialização, cessão e compartilhamento
de endereços eletrônicos, bem como utilização de recursos específicos para
o registro e vinculação de informações de internautas, tais como cookies,
webbugs e spywares.
Por fim, cabe destacar o instituto do enriquecimento sem causa, muito útil
em situações relacionadas à proteção de idéias, sistemas, métodos,
projetos, planos, esquemas, etc., que fogem da proteção autoral e industrial
em determinadas características, mas que beiram a má-fé e a concorrência
desleal, condutas ilícitas reiteradamente combatidas pelo Novo Código.
Não obstante serem positivas as inovações do Novo Diploma e suas repercussões
no campo do direito eletrônico, o ideal seria contar com disposições mais
específicas e adequadas ao ambiente digital, o que evitaria, inclusive, a
discussão, muitas vezes isolada, dos mais de cento e cinqüenta projetos em
tramitação no Congresso Nacional sobre o tema. Talvez fosse interessante o
estudo conjunto dessas proposições visando incorporá-las às futuras alterações
no Novo Código, já em discussão em projeto de lei específico.
Notas:
1) A Lei das S.A.s dispõe de forma semelhante.
2) Parágrafo único. Atendidos os requisitos de segurança e autenticidade,
poderão os tribunais disciplinar, no âmbito da sua jurisdição, a prática de
atos processuais e sua comunicação às partes, mediante a utilização de
meios eletrônicos.
* Renato M. S. Ópice Blum é advogado e economista, professor de Direito
Eletrônico da Fundação Getúlio Vargas (EAESP) e presidente do Conselho de
Comercio Eletrônico da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.