Um embrião, dois sexos
Criação de embriões
com características masculinas e femininas
gera polêmica e questionamentos éticos
Juliane Zaché
Colaborou Lia Bock
Um anúncio feito na semana
passada causou repercussão no mundo todo. A notícia foi divulgada durante o
Encontro Anual Europeu da Sociedade de Reprodução Humana e Embriologia, em
Madri, na Espanha. O médico americano Norbert Gleicher apresentou sua mais nova
experiência: a criação de um embrião humano com características genéticas
masculinas e femininas. Para realizar tal façanha, ele transferiu as células
de um embrião masculino para um feminino. Gleicher garante que sua intenção não
era criar um monstro, mas uma nova forma de tratar doenças genéticas. Para
isso, ele implantou células do embrião masculino, saudável, no feminino, com
defeito.
Seu objetivo era verificar se o material genético do embrião sem problemas
seria capaz de se juntar ao do feminino e, dessa forma, complementar o
funcionamento inadequado de um gene deste embrião. Sua justificativa não
convenceu a comunidade científica. Ao contrário, gerou uma imensa discussão.
A sessão apresentada por
Gleicher foi uma das mais polêmicas do encontro. O especialista em reprodução
humana Paulo Serafini, participante do evento, presenciou o debate. “Teve até
bate-boca”, conta o médico. Ele também faz parte do time que ficou assustado
com a notícia. “Não há mérito científico na pesquisa dele. É um absurdo
utilizar embriões humanos com essa finalidade”, afirmou. Na opinião do médico,
há outras formas de pesquisar saídas para combater problemas genéticos. Uma
delas, que ainda está sendo testada, é introduzir um vetor na célula, como um
vírus inofensivo, que carregue substâncias para combater o defeito. Quem
concorda com Serafini é o especialista em reprodução humana Edson Borges, de
São Paulo. Ele ainda ressalta que os testes deveriam ser feitos em animais, e não
em embriões humanos. “Foi muita audácia”, diz o médico, que também
esteve presente no encontro. No entanto, como em geral sempre acontece quando são
anunciadas novas descobertas e estratégias de tratamento na área de reprodução
humana, que mexe diretamente na criação da vida, a controvérsia acaba tomando
conta do debate. Na opinião do médico paulista Thomaz Gollop, especialista em
medicina fetal e genética médica, o experimento do americano Gleicher, por
exemplo, não pode ser ignorado. “Ele apresentou uma outra forma de se pensar
em terapias genéticas”, afirmou Gollop.
Antes de qualquer discussão,
é preciso esclarecer que a questão sobre a experiência do médico americano
Norton Gleicher não se limita apenas ao fato de a técnica ser viável ou não.
O assunto é muito mais delicado e levanta várias indagações. Até que ponto
é necessário e permitido manipular embriões humanos para criar novas formas
de tratamento de doenças? Como fica a ética e a moral neste caso? Para Volnei
Garrafa, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética, o tema requer atenção.
“Não podemos demonizar nem endeusar esses estudos com embriões. A palavra
fundamental é controle. É necessário criar leis para os cientistas”,
comenta Garrafa. Ele cita que, na Europa, por exemplo, foi criada a lei do pré-embrião.
Isso significa que eles podem ser utilizados para pesquisa até o décimo quarto
dia. “Quando não há regras claras, existem chances de a experiência cair em
mãos erradas e ocorrer um problema sério”, alerta Volnei Garrafa.
Transplante de útero
Outro estudo apresentado na semana passada no encontro europeu sobre reprodução
humana, realizado em Madri, também causou repercussão. Pesquisadores suecos
anunciaram que em três anos poderão começar a fazer transplantes de útero.
Seria uma alternativa para mulheres que desejam ser mães, mas apresentam um útero
com problemas ou foram obrigadas a extrair o órgão por causa de alguma doença.
O médico sueco Mats Brannstrom apresentou testes feitos em animais que mostram
que a estratégia pode ser possível e eficaz. A sugestão do pesquisador,
inclusive, é a de que o órgão seja doado pela própria mãe da paciente, a avó
da criança. A maior discussão em torno do assunto é sobre a justificativa de
se fazer uma cirurgia desse porte e ministrar os imunossupressores, fortes
medicamentos que baixam a resistência da paciente para evitar rejeição do órgão,
já que não há risco de vida ou uma doença grave a ser combatida.