Paisagens brasileiras em 263 imagens
Araquém Alcântara faz um mapeamento das
melhores
paisagens brasileiras em 263 imagens
Ivan Claudio
Numa época em que o turismo com seus roteiros previsíveis esvaziou as
viagens de quase todas as possibilidades de descoberta, aquele que se embrenha
com uma câmera por matas e trilhas para trazer a público imagens raras ainda
incentiva nas pessoas o espírito de aventura. Fotógrafo de natureza, o
santista Araquém Alcântara, 52 anos, faz parte desta turma. Há 30 ele vem
percorrendo o Brasil de Norte a Sul, fazendo um exaustivo mapeamento geográfico.
O que seus olhos já viram é puro encantamento. No Amazonas, certa vez foi
surpreendido por milhares de borboletas amarelas que, como uma nuvem de ouro,
tomaram conta das margens do rio Cauburis para sugar seus sais minerais. Do alto
do avião, em Barcelos, também contemplou o aparecimento de alvos bancos de
areia no leito do rio Negro, fenômeno que só ocorre em períodos de águas
baixas. Pareciam nuvens boiando na superfície da água. É com esta autoridade,
portanto, que ele pode afirmar sem pieguice que “o Brasil é uma sinfonia de
belezas.” O que sua câmera conseguiu aprisionar destas visões fantásticas
estão agora à disposição no livro Paisagem brasileira (Metalivros,
264 págs., R$ 80), que inaugura a coleção Olhar Brasil. Os próximos
volumes serão Brasil submarino, de Maristela Colucci, e Brasil panorâmico,
de Ary Diesendruck.
Santuários – Dividido em cinco partes dedicadas às regiões
do País, Paisagem brasileira – que reúne 263 imagens selecionadas de
um acervo de 250 mil – documenta a maioria dos santuários ecológicos e
parques nacionais com legendas do geógrafo Aziz Ab’Sáber, cujo rigor científico,
paradoxalmente, lhes realçam a poesia visual. Resgatando o antigo sonho de ser
escritor, o próprio fotógrafo escreveu o texto de abertura, no qual repassa
sua carreira – iniciada clicando urubus em Santos –, dá algumas dicas técnicas
para fotógrafos iniciantes no registro paisagístico e ainda conta alguns
lances de suas andanças pelo Brasil. Ao narrar aquele que foi o maior sufoco de
sua carreira, mostra que é preciso ter um grão de loucura para ser grande em
sua área. O episódio aconteceu há cinco anos, quando Alcântara e um guia, na
ausência de um índio ingaricó que os levaria numa canoa talhada em tronco de
árvore, decidiram seguir sozinhos pelo rio Cotingo, em Roraima. No meio da
viagem, a canoa desgovernou e eles foram direto para as cachoeiras. Escaparam
por um triz. “Coisa boa de contar depois, mas, ali no momento, muito ruim de
viver”, escreveu no livro.
Outra passagem perigosa se deu no Amazonas, ocasião em que teve de se livrar
do ataque de centenas de queixadas. “O guia sentiu o cheiro dos animais e
disse para eu tirar a mochila e subir numa árvore. Não deu outra.” Não
bastassem tais riscos, existem ainda outros obstáculos a serem superados para
se conseguir a foto desejada. São resultado da obstinação do fotógrafo, que
muitas vezes se dispõe a namorar por longo tempo a paisagem até que a flagre
em seu pulsar misterioso, quando a luz que dela emana se torna mágica. É a
espera deste instante único que produz imagens como a do reflexo de um tronco
seco mergulhado num igapó, no rio Jaú, Amazonas, na qual se pode até imaginar
o silêncio circundante. “Não se pode deixar engolir pela natureza. Diante de
uma paisagem maravilhosa, o primeiro impulso é sair clicando no primeiro olhar,
mas o belo não dá necessariamente uma bela fotografia”, ensina Alcântara.
“É preciso reparar, escolher, sintetizar.”
Com outro livro engatilhado, Pantanal, a ser lançado em junho, Alcântara
coleciona pelo menos 50 idéias para novas publicações. Uma que, com certeza,
renderá um volume tão belo quanto este Paisagem brasileira é o que ele
batizou provisoriamente de Brasil visto do céu. Uma prévia do que está
para vir pode ser conferida na vista aérea do rio Cururupu, no Maranhão,
mostrando duas jangadas sobre a calma transparência das águas, ou a diagonal
de árvores mergulhadas no azul profundo do Pantanal mato-grossense, exemplos de
um olhar que chegou à abstração ao rearranjar o mundo pela simplicidade das
formas.
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