Doente de amor

A exemplo de Heloísa, personagem de Giulia Gam na novela Mulheres apaixonadas, muitas mulheres sofrem por amar demais. E não são só elas. Os homens também são vítimas de obsessões capazes de transformar a vida num verdadeiro inferno


Juliane Zaché, Maria de Freitas e Rita Moraes

A novela da Globo, Mulheres apaixonadas, de Manoel Carlos, trouxe à tona um assunto que começa a repercutir por todos os cantos: o amor descontrolado. No papel da personagem Heloísa, a atriz Giulia Gam chama a atenção do telespectador por causa da maneira obsessiva com que inferniza a vida do marido, Sérgio, interpretado por Marcelo Anthony.
Ela controla seus passos, checa suas roupas, seu telefone e acha que pode ser traída a qualquer momento. Quando Sérgio decidiu ir embora, Heloísa entrou em pânico. Não conseguia tocar a vida para a frente e, numa briga, lhe deu uma facada no braço. Dias depois, ao flagrar o marido dando carona para uma garota, ela começou a delirar, vendo-o com outra em todos os lugares. Heloísa bateu o carro e foi parar no hospital com traumatismo craniano. No mesmo folhetim, a personagem Raquel, vivida por Helena Ranaldi, passa por outra situação dramática.
Ela apanha do parceiro Marcos, interpretado pelo ator Dan Stulbach.
Não são apenas as cenas chocantes que despertam o interesse do público. Muitas pessoas se identificam com o sofrimento dos personagens. Na vida real, elas vivem ou viveram um amor doentio. Um sentimento capaz de destruir a vida de um casal, independentemente
de sua classe social ou preparo intelectual.

A transformação do amor em doença é um fenômeno complexo, ainda pouco decifrado pela psiquiatria e pela psicologia. Uma das únicas certezas é a de que esse sentimento vira uma patologia quando não traz mais prazer nem a quem ama e muito menos a quem é amado. Pelo contrário. Traz sofrimento aos dois. O doente perde o vínculo com a realidade, passa os dias pensando no objeto de sua loucura, em formas de atraí-lo, de controlá-lo. O segundo tem sua vida transformada num inferno. É perseguido no trabalho, sofre constrangimentos no bar com os amigos, tem medo de ser vítima de violência. Não há estatísticas sobre o número de pessoas afetadas pelo amor doentio. Mas os dados das Delegacias da Mulher podem dar uma idéia do quão dramático pode ser esse universo. No Estado de São Paulo são registradas em média 88 mil queixas de lesão corporal e 80 mil de ameaças de morte por ano, muitas motivadas por um amor obsessivo.

Ciclo – “A mulher resiste muito a denunciar. É o que gera o ciclo de violência. Há agressão, os pedidos de desculpas e a reconciliação. Depois começa tudo de novo. A falta de recursos ou alcoolismo e drogas não determinam a violência. O fator determinante é o ciúme”, relata Márcia Salgado, delegada do Serviço Técnico de Apoio às Delegacias de Defesa da Mulher de São Paulo. O risco para essas mulheres que denunciam, às vezes, é tão grande que existe um serviço de proteção a elas. Em São Paulo, o Centro de Convivência para Mulheres Vítimas de Violência Doméstica (Comvida) é um abrigo da Polícia Civil que recebe em média 70 casos por ano. A maioria das mulheres sai de casa apenas com a roupa do corpo após uma agressão, vai à delegacia fazer a queixa e, como não tem para onde ir, é encaminhada ao abrigo. Lá, elas e seus filhos têm três meses para repensar a vida, conseguir um emprego e outra moradia.

Ou simplesmente retornar à vida anterior. “A maioria dos maridos não quer perder a mulher. E muitos amam as crianças. Então quando levamos os filhos para vê-los ou pedimos algumas roupas, eles sempre dão um jeito de colocar uma carta de amor para as mulheres”, conta a psicóloga Marlene Caverzan, diretora do Comvida. Segundo ela, as mulheres do abrigo são muito fragilizadas e não se valorizam. Além disso, há o pavor que a violência gera.

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