Segredos
da seda
Cientistas desvendam parte do
mistério dos bichos-da-seda
e abrem caminho para a produção artificial de fios, tendões
e coletes à prova de bala
Lia Vasconcelos
Eles são tão finos que mal podem ser vistos a olho nu.
Ainda assim, são mais resistentes do que o aço. Se tecer esse
fio é natural para os bichos-da-seda e as aranhas, há décadas
a ciência tenta, sem sucesso, reproduzi-lo em laboratório. Em
experimentos anteriores, os cientistas já conseguiram purificar
a seda,
mas nunca foram capazes de transformá-la em material. Dessa
vez, os americanos David Kaplan
e Hyoung-Joon Jin, da Universidade de Tufts, anunciaram ter
desvendado parte do mistério envolvido no processo natural de
fabricação da seda. O estudo deve se somar aos esforços para
investigar como criar proteínas em laboratório e, assim,
aprimorar
as técnicas de produção de fios artificiais.
Os fios da seda são constituídos por uma proteína que se
solidifica em contato com o ar e é expelida por uma glândula
localizada no abdome dos animais, cujo ciclo de vida é de 50
dias. O grande mistério da produção dos bichos-da-seda é a
mudança da estrutura, textura e morfologia das proteínas para
se tornarem fibras insolúveis. Pois foi justamente parte desse
processo que os cientistas americanos desvendaram. A chave está
em entender como os bichos-da-seda e as aranhas equilibram a
solubilidade da proteína da seda nas suas glândulas.
Descobriu-se que todo o processo é controlado pela quantidade
de água usada para evitar a cristalização prematura do fio.
“A seda é composta de subunidades emendadas, como se fosse
um colar de pérolas. Agora existe a possibilidade de produção
em larga escala, o que deve baratear o preço da seda”, afirma
Fernando Reinach, presidente da Alellyx, empresa de
biotecnologia vegetal. Uma vez descoberto o segredo desses
insetos, será possível fabricar desde fios de sutura médica
até linhas de anzol, tendões artificiais, equipamento
esportivo, tecido ósseo e coletes à prova de balas.
O bicho-da-seda se alimenta de folhas de amoreira,
transforma-se
de ovo em mariposa, de lagarta em crisálida. Como mariposa, ele
se acasala e põe ovos. E é como lagarta que o bichinho vai
produzir um
dos fios mais valorizados do mundo. Os oito mil criadores
nacionais
de casulos da seda exportam 90% de sua produção, que no ano
passado rendeu US$ 33 milhões. Os maiores clientes são Japão,
Coréia do Sul, França e Índia.
“A fase de lagarta dura em média 30 dias. Quando ela
amadurece,
cerca de 85% de seu corpo é ocupado pela glândula sericígena.
Lá
são armazenadas, em forma de solução aquosa, as proteínas
sericina
e fibroína. A união delas resulta no fio da seda”, explica
Antonio Porto, zootecnista da Unidade de Pesquisa e
Desenvolvimento de Gália, no interior de São Paulo. A lagarta,
que quando adulta chega a medir cerca de nove centímetros, tece
seu casulo para se proteger dos predadores. “Ele é um fio único,
como se fosse um novelo de lã elástico, resistente
e isolante térmico com 1,4 quilômetro de comprimento”, diz
Porto.
Economia – A teia da aranha, cinco vezes
mais resistente que o aço
e mais elástica que o náilon, também desperta grande
interesse. Um projeto da empresa canadense de biotecnologia
Nexia, em conjunto com o Exército americano, isolou os genes
responsáveis pela produção da teia da aranha e os inseriu em
hamsteres e vacas para que seu leite pudesse produzir a
milagrosa proteína. Ela foi então purificada, colocada numa
solução aquosa e alongada em finíssimas linhas de seda. A
teia artificial foi batizada de Biosteel. Uma equipe de
pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT)
também está empenhada em reproduzir as teias de aranha em
laboratório.
O esforço tem explicação. O fio tecido pelos
bichos-da-seda e pelas aranhas tem propriedades que chamam a
atenção de muitas indústrias.
O problema é que seda é um artigo de luxo. Por isso, produzir
o fio em laboratório significaria uma grande economia. “Para
tecer um só fio fino de seda industrialmente são necessários
cerca de 20 casulos”, compara Porto. Está aí, aliás, o
motivo de tamanha valorização dos modestos fios.