Qual o remédio?
A medicina amplia recomendações para evitar males cardíacos no futuro e
apresenta novas armas para combater os fatores de risco
Lena Castellón
Asar remédio no Brasil chega a
ser luxo para boa parte da população. Para os brasileiros acostumados a fazer
malabarismos com o dinheiro em nome da sobrevivência é praticamente impossível
separar alguns reais e comprar os produtos que tratam uma doença crônica, como
hipertensão. A saída para eles seria recorrer aos medicamentos distribuídos
pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Seria, porque outro problema afeta a vida
dessas pessoas: o desabastecimento da rede pública. Segundo o Instituto de
Defesa do Consumidor (Idec), apenas 55,4% das drogas consideradas essenciais estão
disponíveis nas farmácias do SUS.
É um número que impressiona.
Afinal, a legislação garante ao brasileiro o direito a receber remédios
indispensáveis. Deve-se esperar, portanto, que esses produtos sejam plenamente
ofertados. Mas não é isso que vem acontecendo. O Idec informa que entre os
produtos em falta estão remédios simples como um analgésico ou preparações
vitais, caso da insulina, que precisa ser reposta por diabéticos. A pesquisa do
instituto, feita em 11 cidades com base em 61 itens, revelou que o índice de
disponibilidade do ibuprofeno (contra dor e febre), por exemplo, era de 11,76% e
o de metformina (que reduz a taxa de açúcar no sangue), 33,33%. “Os remédios
da lista que elaboramos deveriam estar em 100% dos postos”, observa Otávio Nóbrega,
um dos responsáveis pelo levantamento do Idec.
O governo reconhece o problema.
Há dois meses, realizou reuniões com representantes dos 17 laboratórios públicos,
da indústria farmacêutica
e especialistas para encontrar uma solução para o desabastecimento. Uma das
propostas é a criação da farmácia popular, com remédios de preço abaixo do
mercado. Além disso, planeja-se investir na produção
dos laboratórios oficiais para aumentar a oferta. “Vamos oferecer
alternativas para a população de baixa renda e também aos que podem comprar.
Com medicamento mais barato, não seria tão necessário recorrer ao
gratuito”, diz José Hermógenes de Souza, secretário de Ciência, Tecnologia
e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde. Ele afirma que neste final de
semestre o trabalho técnico estará encerrado.
E então poderá se estabelecer uma nova política de remédios para melhorar a
oferta. Segundo Souza, as cidades atendidas pelo Fome
Zero já ganharam atenção especial. Nesses municípios, o repasse anual de R$
1 por habitante (valor nacional para a assistência farmacêutica básica) foi
dobrado. Além disso, Estado e município continuam
entrando com R$ 0,50 cada um.
A falta de remédios é um mal
crônico no Brasil. “Na década de 70,
criou-se a Central de Medicamentos, que devia coordenar a distribuição. Mas
foi extinta nos anos 90 devido às graves denúncias de corrupção”, lembra o
professor Francisco Reis, diretor do Instituto de Química da Universidade de
Campinas (SP) e ex-secretário da Vigilância Sanitária
no governo Itamar Franco. Ele avalia que para resolver a questão
não basta um orçamento maior. “É preciso ter um programa articulado com
Estados e municípios, com uma coordenação nacional encarregada tanto da área
de produção quanto da qualificação da assistência farmacêutica”, sugere.
Reis defende o uso racional do remédio. Segundo ele, todo médico que atende
pelo SUS deveria saber que drogas
são dadas pelo governo. “Quando se faz uma distribuição racional,
é preciso ter um guia terapêutico”, emenda. Outra saída, em sua
opinião, seria uma boa rede informatizada capaz de verificar os
problemas mais cruciais do abastecimento no Estado ou no município
para que a solução seja mais rápida.
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