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Travessuras
da mente
Novas drogas e diagnóstico preciso
melhoram tratamento
do déficit de atenção e hiperatividade
Saiba
os sintomas de agitação
Entenda
o distúrbio
Mônica Tarantino
Faz parte da rotina
da vida de algumas crianças serem chamadas de avoadas, estabanadas e inquietas.
Porém, se a agitação ou a desorganização persistirem durante o crescimento,
o tom engraçadinho vai aos poucos cedendo lugar a uma atitude mais crítica em
relação ao jovem. E não raro passa a ser visto como preguiçoso, bagunceiro,
egoísta (esquece o que os outros pedem), desajustado e, muitas vezes, é
tratado como aluno-problema. Comportamentos como esses, no entanto, podem ser a
face mais aparente de uma disfunção conhecida como transtorno do déficit de
atenção e hiperatividade (TDAH), ou simplesmente hiperatividade. O problema
atinge até 6% das crianças em idade escolar, segundo estatísticas mundiais. O
distúrbio é caracterizado pela falta de atenção e de capacidade de se
concentrar e planejar, que pode ou não estar associada a uma agitação
excessiva ou à impulsividade para agir. Às vezes, tudo se combina.
A alteração é atribuída a um desajuste na ação de duas substâncias que
fazem a comunicação entre os neurônios, a noradrenalina e a dopamina. Ele
ocorre no córtex pré-frontal, área do cérebro que controla a razão e a emoção.
Quando esses mensageiros químicos não trabalham em harmonia, há um aumento da
dispersão e da agitação. Uma das consequências é uma forma de funcionar
mais acelerada do cérebro, que filtra menos as informações. Em consequência,
há avalanches incontroláveis de dados na mente do portador de TDAH. Dependendo
da intensidade, isso prejudica a memória, o aprendizado, a rotina.
A detecção precoce dessa condição – embora pouco conhecida pela maioria
dos médicos e professores – é o meio mais eficiente de ajudar os portadores
a crescerem sem traumas. “Grande parte das dificuldades experimentadas pelos
portadores do transtorno pode ser amenizada e até evitada com um tratamento bem
planejado”, garante o psiquiatra Ênio de Andrade, diretor do setor de
psiquiatria da infância e adolescência do Hospital das Clínicas de São
Paulo. Na instituição, surgiu há 14 anos o ambulatório pioneiro de TDAH. A
medicina tem dado passos importantes nessa direção. Há avanços no diagnóstico,
na abordagem e novos medicamentos a caminho.
O diagnóstico, por exemplo, está cada vez mais refinado. Os médicos já
sabem que é fundamental considerar um conjunto de sintomas antes de chegar a
uma conclusão. É uma mudança importante, porque há muitos casos de crianças
classificadas como hiperativas sem ter a doença, apenas pelo excesso de agitação.
“Fazemos várias consultas e um acompanhamento de dois meses antes de dar uma
opinião final e escolher o tratamento”, diz o especialista Fábio Barbirato,
que dirige o ambulatório de TDAH da Santa Casa do Rio de Janeiro. A atitude
surtiu efeito. “Há dois anos, a quantidade de crianças diagnosticadas com
TDAH atingia 12%. Hoje, se mantém em torno de 5%”, garante Barbirato. Ele diz
ainda que de 30% a 40% dos jovens atendidos com suspeita de TDAH na verdade
sofriam de outros problemas, como depressão e, principalmente, falta de limites
em casa e na escola. Outro mito é o de que crianças mais passivas estejam
livres do problema. “Na verdade, há crianças com TDAH que podem ser até apáticas.
Aquela menininha meiga, mais quietinha, que não participa da aula e tem baixo
rendimento pode apresentar essa condição”, esclarece a psicóloga Ana Olmos,
de São Paulo, que atende muitas crianças e adolescentes encaminhados por
escolas particulares da cidade para avaliar a origem do baixo rendimento e da
desatenção.
Ainda que tardio, o reconhecimento e tratamento da doença foi exatamente o
que colocou a vida da psicóloga Ana Beatriz Barbosa Silva nos eixos. Portadora
do transtorno, ela enfrentou muitas vezes situações constrangedoras, como a
grande dificuldade de concluir tarefas, lembrar nomes de pessoas e trocar dia e
hora de compromissos, até descobrir-se portadora do déficit de atenção, aos
19 anos. “Assisti por acaso a uma palestra e me identifiquei com os
sintomas”, diz. Na época, estava às vésperas de abandonar a faculdade
porque não conseguia concluir as tarefas”, lembra. No ano passado, lançou o
livro Mentes inquietas (Ed. Gente), para leigos. Na obra, ela fala sobre a doença,
conta sua experiência e ensina formas de lidar com ela. “Uma pessoa com TDAH
pode ser criativa e bem-sucedida. Mas precisa aprender a organizar a mente e a
aproveitar bem seu potencial”, observa.
O tratamento mais eficiente, segundo os especialistas, é o que cuida dos
sintomas físicos e da mente. A medicação tem papel importante no controle dos
sintomas. “Ela é usada para normalizar o desequilíbrio bioquímico do cérebro.
Estima-se que pelo menos 10% das crianças com sintomas mais graves não podem
prescindir do remédio”, diz o psiquiatra Andrade. Casos mais leves também
podem ser tratados apenas com terapia comportamental, uma espécie de
treinamento para organizar as atividades e os pensamentos.
No setor dos medicamentos, há novidades. Até o final de março, deve chegar
ao Brasil uma nova versão da Ritalina, o remédio mais usado em todo o mundo. A
apresentação atual disponível oferece ação por três a quatro horas. A
nova, chamada Ritalina LA, terá efeito por 12 horas. À base de metilfenidato,
atua como estimulante do sistema nervoso central e regulariza a função do
neurotransmissor dopamina. Mas há outras opções. Uma delas é o Concerta, remédio
que usa a mesma substância da ritalina e tem efeito por 12 horas. Atualmente,
é importado e custa entre R$ 300 e R$ 400. A estimativa é a de que possa ser
comprado nas farmácias, no final de abril. Isso deve diminuir um pouco o custo.
Para o ano que vem, espera-se a vinda de uma outra substância, a atomoxetina
(nome comercial Strattera), lançada em 2003 nos Estados Unidos. O produto age
por 24 horas e é uma opção para quem não tem bons resultados com os outros
medicamentos.
O investimento na divulgação do problema também aumenta. Os especialistas
Andrade e Barbirato, por exemplo, dão palestras e cursos pelo País para
informar melhor os profissionais da saúde e da educação. Esse trabalho dá
frutos. Foi graças a ele que a pequena Fernanda Senna, dez anos, encontrou
ajuda. Desatenta e com baixo rendimento escolar, ela carregava o rótulo de
aluna-problema. Em uma das visitas à escola, a mãe de Fernanda soube por uma
professora que havia uma pediatra entendida em distúrbios de aprendizagem no
posto de saúde. “A médica compreendeu os problemas da Fernanda, conhecia o
trabalho da Santa Casa e me encaminhou para lá. Isso foi há dois anos e mudou
as nossas vidas”, diz a mãe de Fernanda, a auxiliar de enfermagem Elisabeth
Senna. Em tratamento há dois anos, a menina usa medicamentos e faz sessões de
fonoaudiologia. “Nunca vi minha filha tão feliz”, afirma Elisabeth.
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