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Sexo, darwinismo e
comunidades virtuais
Sites sobre serviços de prostituição são um exemplo excelente para pontuar a
evolução dos ambientes colaborativos na internet. E mostram como o
profissional liberal pode atuar sem depender de uma instituição.
Juliano Spyer
A publicação de A Origem das Espécies pelo cientista inglês Charles Darwin
em meados do século 19 – argumentando que homens e macacos eram parentes próximos
do ponto de vista evolutivo – eriçou os cabelos de cientistas e religiosos
por desafiar a ilusão de ordem e de normalidade vigentes na época. Pretendo
partir da tese já comprovada da evolução através da competição entre as
espécies (e entre indivíduos da mesma espécie) para sugerir que esta mesma
mecânica esteja estimulando o desenvolvimento da internet.
Para ilustrar os argumentos utilizados ao longo do artigo, entrevistei por
e-mail um dos administradores do site GPGuia.
Este projeto, que abriga uma das comunidades de clientes de garotas de programa
mais populares de São Paulo, vem sendo continuamente aperfeiçoado respondendo
às necessidades dos usuários, a partir de experiências prévias de sites com
a mesma finalidade e sobretudo, reagindo aos desafios do meio. Essa é a beleza
do GPGuia e por isso este esforço para dissecá-lo: ele representa a um esforço
adaptativo – nesse sentido igual ao identificado por Darwin como elemento
motivador da evolução das espécies – para responder a um desafio externo.
Qual seja?
Assim como nos esportes radicais, parte do estímulo à utilização dos serviços
de acompanhantes vem da aventura; mas neste flerte com o perigo, o risco é
inversamente proporcional ao valor do programa. Em tese, as garotas mais caras
trabalham menos e são mais bem informadas sobre as Doenças Sexualmente
Transmissíveis (DST). Entretanto, é dispendioso transar com garotas com a
mesma freqüência com que se pratica um esporte. O “praticante” precisa ter
dinheiro ou maximizar o valor da sua aplicação escolhendo as garotas que têm
o melhor custo-benefício. Aí aparece a “vantagem evolutiva” para os
inseridos digitais: eles podem se beneficiar das redes de informantes formadas
através da internet.
Bruna surfistinha e o sexo “on-demand”
A preferida
dos usuários cadastrados do GPGuia atende pelo pseudônimo de Bruna
surfistinha, e atualmente cobra R$ 100 por hora de programa. Bruna trabalha por
conta própria num flat alugado por ela em Moema, um bairro particularmente
receptivo à prostituição de luxo. Conseqüentemente, para utilizar os serviços
de Bruna, o cliente não paga (para o cafetão) a taxa de manutenção do
estabelecimento e nem incorre na tentação de consumir os produtos caros do
bar.
Bruna diz (e aparenta) ter 19 anos e “faz tudo”. Ao conhecimento
especificamente sexual, ela alia características de namorada: sabe deixar o
cliente à vontade para a conseguir a penetração usando preservativo. Isso
justifica boa
média nas 79 avaliações feitas sobre sua performance pelos usuários do
GPGuia – 70 positivas, 5 neutras e apenas 4 negativas.
Não é surpreendente que Bruna tenha uma presença sofisticada na internet (aviso:
conteúdo adulto). Seu site é leve, feito em flash e tem navegação fácil.
A arquitetura atende ao interesse do consumidor de seus serviços; são duas
telas: fotos e perfil. Você vê o “produto” e se quiser comprar, tem
informações objetivas de como e onde consegui-lo. Ela também soube tirar
proveito das vantagens da telefonia móvel para manter a discrição e poder se
agendar “on-demand”. E para completar o pacote, ela
publica um blog onde revela de forma surpreendentemente honesta suas dúvidas
e dilemas íntimos relacionados à profissão que ela escolheu.
Meritocracia, premiando a eficiência
Não fosse pela internet, Bruna provavelmente continuaria trabalhando nos
estabelecimentos de luxo, tendo que cobrar mais caro para pagar pela estrutura
que inclui acesso à carteira de clientes do cafetão. Numa carreira que, como a
dos atletas, costuma durar pouco tempo, é uma demonstração de eficiência
adaptativa que aos 19 anos Bruna tenha se “alforriado” e aberto o que para
todos os efeitos menos o institucional pode ser considerado uma micro-empresa.
Ela capitaliza com as recomendações publicadas pelos freqüentadores do GPGuia,
sendo do interesse deles publicar as avaliações – chamados dentro da
comunidade de “test-drives” ou TDs – sobre as performances das garotas.
Assim cada um pode aproveitar a variedade de testemunhos e decidir sobre como
estender seus benefícios.
A mesma regra “meritocrática” – que premia o melhor produto ou serviço
– diferencia sites como a varejista Amazon.com que sobreviveram à bolha. Como
no GPGuia, o usuário da Amazon é convidado a publicar resenhas sobre os
produtos disponíveis na loja. Um leitor diz com todas as palavras o que os
resenhistas profissionais atrelados aos interesses dos jornais e das editoras não
podem escrever, e dessa forma, impacta diretamente a decisão de compra de
milhares de outras pessoas. E é difícil burlar este sistema porque um comentário
“comprado”, feito por encomenda para influenciar a opinião pública,
desaparece no conjunto das resenhas. Na Amazon, os mesmos leitores são
convidados a avaliar a pertinência das opiniões publicadas. Ao final de cada
participação o sistema insere a pergunta: “Was this review helpful to you?
Yes or No”.
No caso do GPGuia, que não tem o mesmo tráfego e receita do maior site de
e-commerce da atualidade, atinge-se o mesmo resultado através da familiaridade
que surge entre os participantes. Essa é uma das razões para a comunidade
exigir o registro de quem quiser publicar mensagens – a participação é
aberta para leitura. Um usuário com o nick fixo terá dificuldade de enganar os
outros, porque na malha de relacionamentos, para que as informações dele sejam
respeitadas, ele terá que fazer muitos TDs e compartilhar os resultados no site.
Como a comunidade conhece a maior parte das garotas, ela pode avaliar se a
indicação é segura ou se se trata de um “baba-ovo”, expressão interna
usada para identificar pessoas que fazem relatos exageradamente elogiosos de uma
garota.
Considerações finais
Espero ter retribuído à confiança do leitor por aceitar explorar um tema sensível
como o do comércio sexual, escrevendo um artigo honesto e útil aos
interessados na temática das comunidades virtuais. Fica registrada a minha
gratidão pela disposição do administrador do site em me atender e a admiração
pelo que considero como um dos cases mais completos de colaboração existentes
hoje no Brasil. O conteúdo é produzido exclusivamente pelos usuários, o
acesso é gratuito, aberto, a navegação facilita a consulta e o registro, e
por rodar em uma ferramenta open source, a iniciativa tem baixo custo de manutenção.
O que existe de revolucionário na internet é a oportunidade que ela abre para
elevar a voz e a ação de pessoas através de iniciativas de baixo custo. Há
dez anos, as possibilidades de organização emergente, ou seja, vindas de baixo
para cima na sociedade, dependiam da negociação com grupos políticos, econômicos
ou de comunicação. A internet oferece uma alternativa à concentração de
poder. A tecnologia está disponível e não custa caro. [Webinsider]
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