O nascimento do
iPod visto de dentro
Por
Leander Kahney |
Ben Knauss é um ex-gerente
da PortalPlayer, a
empresa que foi procurada pela Apple para ajudar a desenvolver um aparelho
portátil de MP3 que viria a se tornar o popular iPod.
Knauss conversou com Wired
News e dividiu conosco um pouco de sua experiência como a principal ligação
entre a Apple e a empresa. Ele falou sobre as falhas que quase arruinaram o
projeto, e as extraordinárias manobras da Apple para mantê-lo em segredo.
Knauss deixou a PortalPlayer
em 2001. De acordo com ele, o iPod surgiu a partir de uma idéia de Tony
Fadell, um especialista independente em hardware que ajudou a desenvolver
aparelhos portáteis para a General Magic e Philips. "A idéia de Tony
era criar um aparelho de MP3, anexar a ele um serviço de música pela
Internet, e criar uma empresa em torno disso", conta. "Foi o Tony
que criou a idéia de negócio".
O relato segue: segundo
Knauss, Fadell deixou a Philips e se estabeleceu como um consultor
independente para comercializar sua idéia. Fadell procurou várias empresas,
mas teve sua idéia recusada por todas – menos a Apple. Num dos primeiros
encontros com a PortalPlayer, Fadell teria dito: "Este é o projeto que
vai remodelar a Apple, e daqui a dez anos ela será um negócio de música, e
não de computadores".
"Tony teve a idéia de
um processo comercial e a Apple está se transformando nessa idéia que ele
teve", acrescentou Knauss.
Fadell estava familiarizado
com alguns projetos de referência da PortalPlayer para tocadores de MP3,
entre os quais estava o de um aparelho com o tamanho aproximado de um maço de
cigarros. "Ele era bastante feio", conta Knauss. "Parecia um
rádio FM com um monte de botões. Sua interface era exatamente o tipo de
coisa criada por projetistas de hardware". Mas Fadell reconheceu o
potencial do projeto. "Tony viu que seu produto estava ali".
"A PortalPlayer foi
atraente para a Apple porque já tinha um sistema operacional", disse
Knauss. "Isso realmente foi um ponto importante. Tínhamos o software e o
hardware, e a Apple tinha uma agenda apertada".
O projeto de referência
estava 80% pronto quando a Apple apareceu. O protótipo, por exemplo, não
tinha suporte para playlists com mais do que dez músicas. "A maior parte
do tempo de desenvolvimento do iPod foi gasto finalizando esse produto",
disse Knauss.
Na época, a PortalPlayer
tinha 12 clientes que usavam seus projetos de referência para criar aparelhos
de MP3. A maior parte dessas empresas eram fabricantes asiáticas, conta
Knauss, mas a Teac e a IBM também estavam na lista. A Big Blue planejava
desenvolver um pequeno tocador de música digital preto, com uma tela circular
e fones sem fio com tecnologia Bluetooth. "O design para a IBM era bem
mais interessante", disse Knauss.
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No entanto, a PortalPlayer
decidiu trabalhar exclusivamente com a Apple. "Quando a Apple entrou na
jogada, largamos todos os outros clientes", relata Knauss. Nos oito meses
seguintes, os 200 empregados da empresa nos EUA e os 80 engenheiros que a
companhia mantinha na Índia passaram a trabalhar exclusivamente no iPod.
A Apple tinha uma lista de
recursos que queria acrescentar ao projeto: o formato de arquivo AAC, além do
formato de livros em áudio da Audible e um equalizador de cinco canais deviam
estar presentes no produto final.
A Apple também queria uma
interface diferente, que foi criada por sua própria equipe em cerca de três
meses. Embora o conceito comercial do iPod tenha sido idéia de Fadell, foi o
CEO da Apple, Steve Jobs, quem moldou a aparência, o design e a experiência
do aparelho. "O interessante a respeito o iPod é que desde o começo ele
contou com 100% do tempo de Jobs", disse Knauss. "Não são muitos
os projetos em que isso acontece. Ele esteve intensamente envolvido em cada
aspecto do desenvolvimento".
No começo do projeto, Jobs
convocava reuniões para discutir o iPod a cada duas ou três semanas, mas
quando os primeiros protótipos foram construídos, ele passou a se envolver
diariamente. "Steve ficava horrivelmente ofendido se não conseguisse
acessar a música que estava procurando com menos de três toques de
botão", recorda Knauss. "Nós recebíamos as ordens: Steve acha que
o volume não está alto o bastante. Os agudos não estão agudos o bastante.
O menu demora muito para aparecer. Todos os dias tinha algum comentário de
Steve dizendo para onde o projeto deveria seguir".
Knauss conta que a
influência de Jobs era às vezes um tanto pessoal. Por exemplo, o iPod tem o
som mais alto do que a maioria dos aparelhos de MP3 porque Jobs é
parcialmente surdo. "O som ficou mais alto para que ele pudesse
ouvir", disse Knauss.
Knauss destaca que não houve
nenhuma exigência pela inclusão do FairPlay, o sistema de proteção de
cópias da Apple, que passou a integrar o iPod na segunda geração do
aparelho, quando foi lançada a loja online iTunes. "O gerenciamento de
direitos autorais não estava na pauta das discussões", ressalta.
"Eles acreditavam que esse tipo de tecnologia poderia prejudicar as
vendas quando o serviço de música saísse. Eles pediram para que não
houvesse qualquer tecnologia de proteção de cópia no iPod original".
Todos os protótipos do
aparelho (vários foram construídos) eram testados dentro de gabinetes de
plástico reforçado do tamanho de caixas de sapato. "Os botões e a tela
eram distribuídos do lado de fora para que as pessoas que experimentassem o
produto não tivessem idéia de que tipo de aparelho ele era ou qual o seu
tamanho real", conta Knauss. "Os controles sempre ficavam em lugares
diferentes – a roda de navegação na lateral, a tela em cima – para
garantir que ninguém soubesse de antemão como ficaria o design final A
única coisa acessível eram as entradas e saídas".
Knauss lembra ainda que o
iPod quase foi cancelado pouco antes de sua conclusão. Testes mostraram que o
aparelho drenava as baterias mesmo quando desligado. "As linhas de
produção já estavam prontas. Foi um momento tenso", recorda.
"Durante oito semanas, a Apple pensou que tudo o que tinha em mãos era
um tocador de MP3 que só durava três horas".
Mas o problema foi corrigido,
e pouco depois a Apple comprou o controle majoritário da empresa. Knauss
trabalhou lá até o fim do projeto mas pediu demissão logo depois porque
não sabia se o produto seria um sucesso. "Foi provavelmente um erro meu,
mas você tem que agir de acordo com o que pensa no momento", disse.
Knauss, 33 anos, é hoje um
contratado da Microsoft. As empresas Apple, IBM e PortalPlayer não
responderam aos pedidos de entrevista, mas a PortalPlayer confirmou que Knauss
trabalhou lá num cargo de gerência.
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