Site para venda de drogas ainda está no ar
Giordani Rodrigues e Alexandre Freitas

Um polêmico site de nome "Folha de Bananeira" tem causado rebuliço em algumas listas de discussão no Brasil desde os últimos meses do ano passado. O motivo: o site coloca à venda, com serviço de entrega em domicílio, várias "substâncias controladas", um eufemismo que usa para se referir a drogas como maconha, ecstasy, cocaína e outras, cujo uso e fornecimento são considerados ilícitos pelas leis brasileiras.

Atualmente, o site funciona no endereço folhadebananeira.com, mas já esteve nos domínios folhadebananeira.com.br e folhadebananeira2.com.br. O detalhe intrigante é que, apesar das atividades do site, os dois endereços anteriores foram registrados sob o CNPJ da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, órgão ligado à Presidência da República. Por causa disso, os domínios foram denunciados ao Registro.br e acabaram sendo cancelados.

Não se sabe se o Folha de Bananeira é apenas uma brincadeira, uma crítica sarcástica às instituições do País ou, de fato, uma organização criminosa, mas sabe-se que foi lançado entre o final de outubro e o começo de novembro de 2004, e logo passou a ser comentado em alguns blogs e listas de discussão online. Usando como fundo musical a canção Folha de Bananeira, sucesso atual interpretado pela banda Planta e Raiz e composta pelo guitarrista Armandinho, o site é bem produzido e as ofertas chegam a ser engraçadas, de tão absurdas.

Há promoções como o "Kit Rave", composto por um lança-perfume, um ecstasy, um viagra de 50 miligramas e 10 gramas de fumo baiano. As chamadas do site trazem textos como "Fique tranqüilo, não corra riscos, adquira sua substância controlada sem sair de casa" ou "Aqui você sempre está de bom humor". A página inicial informa que as entregas são feitas em São Paulo e região do ABC Paulista, e "agora também na Baixada Santista, Jundiaí, Campinas e Itu".

Em meados de novembro, a revista online Magnet publicou uma matéria sobre o site e, apesar de indicar que poderia se tratar de um hoax (trote), não chegou a uma conclusão definitiva e também não abordou a questão de o domínio ter sido registrado com um CNPJ do governo.

Mesmo assim, a Magnet chegou a fazer contato com um suposto "gerente comercial" do site, que disse, por e-mail, como seriam feitas as transações de venda das drogas: "Após a escolha do produto desejado, a entrega é efetuada algumas horas depois. Você recebe uma ligação dizendo que seu produto foi entregue; o entregador descreve o local exato onde foi deixado seu produto; o entregador só vai embora após ter confirmado a entrega. Não há contato pessoal. Pagamento é via deposito bancário."

De acordo com a publicação, após ter sido solicitado a dar uma entrevista, o tal gerente respondeu: "Agradecemos os elogios mas embora um tanto bem humorado, nosso sistema funciona como uma outra empresa qualquer, ou seja, tem escalas de trabalho, serviços de entrega, pagamento a fornecedores, almoço e jantares com distribuidores, a única diferença está naquilo que comercializamos. Embora a sociedade critique tais substâncias, entretanto o que seria de nossa sociedade sem estas? Infelizmente não podemos atendê-lo, por questões de segurança e ordens superiores."

Nos últimos dias, InfoGuerra também enviou e-mails ao Folha de Bananeira, a partir de uma conta criada num provedor gratuito, simulando interesse na compra de algumas substâncias. As primeiras mensagens foram respondidas poucas horas depois, informando que "não clientes" obteriam os produtos via Sedex, mediante depósito bancário do valor referente à quantidade total pedida. As mensagens posteriores, em que se solicitava o número da conta bancária para depósito e o endereço para o qual o comprovante deveria ser enviado, não foram respondidas.

Um caso complicado
O advogado especializado em Direito da Informática e professor da FGV Online Omar Kaminski, que vem acompanhando o caso desde o seu surgimento, acha difícil dizer se se trata de um trote sem que haja investigação mais profunda. Mas, independentemente disso, afirma que "os responsáveis poderão ser enquadrados nos crimes de falsidade ideológica (artigo 299 do Código Penal), ou na Lei de Entorpecentes (artigo 12 da Lei 6.368/76)".

Dados do Registro.br mostram que o domínio "folhadebananeira.com.br" foi criado no dia 26 de outubro de 2004, em nome de uma empresa batizada de Pedro Bananeira Comércio e Serviços, que teria sede em Fortaleza, no Ceará. Porém, o CNPJ associado a essa empresa e informado no cadastro correspondia ao da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República.

Diante de denúncias recebidas, inclusive da própria SEDH, o órgão responsável pelo registro de domínios no Brasil instaurou procedimento administrativo para averiguar a procedência das informações cadastradas e acabou cancelando o endereço por conter dados falsos ¿ daí a possibilidade de enquadramento em crime de falsidade ideológica.

Mensagens postadas em listas de discussão na época informavam que o site original fora retirado do ar no dia 11 de novembro de 2004. Dias depois foi reativado usando um segundo domínio, folhadebananeira2.com.br, registrado em 19 de novembro, com os mesmos dados do domínio anterior, incluindo o CNPJ da SEDH. O "provedor de hospedagem" dos dois endereços tinha o irônico nome de PatriaHost, cujo domínio também estava registrado com o mesmo CNPJ do governo.

Após novas denúncias e constatação das irregularidades, todos os domínios foram cancelados, no final de novembro. Atualmente, o Registro.br informa que os endereços não podem ser registrados por estarem aguardando o início do processo de liberação. Isto significa que estão bloqueados e serão liberados posteriormente para registro, já que o nome em si não é considerado ilícito e pode ter fins legítimos.

Após estas duas tentativas, os responsáveis pelo site registraram o domínio internacional "folhadebananeira.com", mais difícil de ser cancelado. Uma consulta aos dados do novo endereço mostra que ele foi criado no dia 22 de novembro de 2004, em nome de Luiz Bananeira, cujo e-mail seria pedrobananeira@bol.com.br, o mesmo usado anteriormente nos cadastros do Registro.br. Desta vez, o endereço fornecido como sede da "empresa" foi da cidade de Araraquara, no interior de São Paulo.

Ao ser informado, hoje, de que o Folha de Bananeira voltou ao ar com um domínio internacional, mesmo após os domínios fraudulentos terem sido cancelados, a SEDH denunciou o site à Polícia Federal e pediu investigação sobre o caso, segundo a assessoria de imprensa do órgão.

"O fato de o domínio ter sido registrado fora do Brasil não exime o detentor da responsabilização. Mesmo que o servidor estivesse no estrangeiro, de acordo com o artigo 7º do Código Penal (Princípio da Ubiqüidade), considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado", esclarece Omar Kaminski.

Neste caso, apenas o domínio é internacional, mas os serviços de registro foram feitos pela empresa 100br.com e o site está hospedado atualmente no provedor HostNet. Ambas as empresas são brasileiras.

Na opinião do professor da PUC de Minas Gerais e estudioso de Direito Penal Informático Túlio Vianna, as questões suscitadas pela existência do Folha de Bananeira são de difícil solução. De imediato, ele exclui a responsabilidade penal do provedor, pois não caberia à empresa qualquer tipo de "censura" do material que vai ao ar.

"Em Direito Penal não há responsabilidade objetiva, ou seja, o agente só pode ser punido por seu dolo, um conceito jurídico próximo ao da intenção", explica. "A HostNet não tem como controlar todo o conteúdo que seus clientes colocam no ar, nem pode ser obrigada pelo Estado a isso. O que o Estado pode obrigá-la a fazer é manter os logs e os dados completos do usuário, para uma eventual requisição judicial".

Vianna vai além e diz que o simples fato de o site estar no ar não caracteriza tráfico, enquanto nenhuma droga for apreendida. "Se rastreássemos o IP deles e, por hipótese, déssemos uma 'batida' no local onde estão as máquinas e prendêssemos o webmaster, mas não encontrássemos drogas na posse dele, não haveria como processá-lo por tráfico ou tentativa de tráfico, pois falta prova da materialidade (a droga)".

De qualquer forma, ele também acha que cabe o crime de falsidade ideológica, já que quem registrou o domínio usando o número de um documento do governo fez declaração falsa, alterando a verdade sobre fato juridicamente relevante. "Se os responsáveis pelo registro ainda tiverem os logs, podem acionar a polícia, mesmo o site tendo sido tirado do ar", afirma. "Isto é independente do conteúdo do site. Qualquer que fosse o conteúdo, não se poderia registrá-lo com CNPJ falso".

Enquanto o site permanece no ar, pessoas indignadas continuam a denunciá-lo. Uma destas denúncias foi feita ao Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID), órgão subordinado ao Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e à Secretaria Nacional Antidrogas. Em mensagem postada numa lista de discussão no dia 10 de janeiro, o coordenador de comunicação social do OBID informou que o órgão está "acompanhando esse fato com muita atenção e interesse" e "trabalhando para que isso não volte a acontecer".

Na quinta-feira, dia 20, InfoGuerra enviou um e-mail ao OBID solicitando informações atualizadas sobre o caso, mas não obteve resposta.
 InfoGuerra

 

 
 

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