|
Acesso à internet muda hábitos
de cidade de 7.500 habitantes no interior de SP
MARCO AURÉLIO CANÔNICO
Enviado especial da Folha a Sud Mennucci (SP)
A cidade tecnológica do futuro, toda interligada pela internet sem fio e
gratuita, onde qualquer cidadão pode sentar na praça, abrir um notebook e já
começar a navegar na rede, fica a 600 km de São Paulo, no noroeste do Estado.
E não tem shopping center, nem comércio variado -qualquer compra mais
"sofisticada" precisa ser feita em outras cidades e atualmente é
feita em grande parte por encomenda via internet-, nem notebooks, na verdade.
O município é Sud Mennucci, nomeado em homenagem ao jornalista homônimo. A
cidade tem 7.500 habitantes, um Orçamento anual de R$ 11,5 milhões e um
sistema de acesso à internet semelhante ao que está instalado em partes de
cidades como Amsterdã (Holanda), Taipé (Taiwan) e Filadélfia (EUA). Qualquer
um de seus moradores que tenha um computador com uma placa wireless (que permite
a conexão sem fio) ou uma antena pode se conectar à internet em alta
velocidade e gratuitamente, vencendo pela via virtual as estradas esburacadas
que dão acesso às cidades vizinhas e ao resto do mundo.
Além das antenas visíveis nos telhados das casas, a maior mudança verificada
na cidade com a popularização da internet -anteriormente em conexão discada
via interurbano, atualmente em transmissão gratuita via rádio- foi no comércio.
O correio local, com seus três funcionários, é o símbolo da abertura da
cidade para o resto do mundo -passou a receber quase diariamente encomendas
compradas pela internet, entregues até mesmo em fazendas da zona rural da
cidade.
Além das compras virtuais e da redução das contas de telefone dos usuários,
a cidade também tem comerciantes -de autopeças e roupas- que aproveitaram a
internet gratuita para agilizar seus negócios, principalmente as transações
bancárias (a cidade possui apenas duas agências), além de um jovem
empreendedor que criou um negócio de importação e venda de tênis pela
internet (leia texto abaixo).
O prefeito Celso Junqueira (PSDB) explica que a internet de alta velocidade via
rádio chegou à Sud Mennucci para resolver o problema da ausência de provedor
local, que obrigava os internautas -incluindo a prefeitura e todo o sistema público-
a fazer ligações interurbanas para acessar a rede. A prefeitura fez, em 2002
-na administração de Nelson Gonçalves de Assis, quando Celso era
vice-prefeito-, um contrato com a Telefônica, pelo qual a empresa instalou um
link de acesso na cidade, que custa atualmente R$ 3.200 mensais.
A partir daí, a administração pública investiu R$ 17 mil para instalar uma
antena de rádio que distribuísse o acesso para as demais secretarias
municipais, além da escola, hospital, delegacia e biblioteca. O passo seguinte
foi abrir o serviço para a população, já que tudo que era necessário para
se conectar ao provedor da prefeitura era uma antena -cujo preço varia de R$
300 a R$ 500- para captar o sinal.
O próximo passo, diz Sérgio Soares, chefe do serviço de informática da
cidade, é aproveitar a rede de transmissão de dados para fazer ligações
telefônicas -pelo sistema de voz sobre IP-, o que transformará Sud Mennucci na
cidade com o menor custo de ligação do país. Para isso, basta dispor de
celulares modernos -e ainda caros-, equipados com a tecnologia necessária.
Atualmente, o departamento de compras da prefeitura já utiliza o software Skype
-que permite fazer ligações telefônicas pelo computador- em suas compras, o
que acaba com os custos de ligações interurbanas. Soares estima que em 90 dias
a prefeitura já terá os telefones celulares que farão ligações usando a
rede de dados.
O avanço que Sud Mennucci espera alcançar em breve é justamente o empecilho
que a Filadélfia, nos Estados Unidos, tem tido com a instalação de sua rede
de internet sem fio gratuita, patrocinada pela prefeitura.
Grandes operadoras de telefonia dos EUA estão tentando impedir a prefeitura da
Filadélfia de realizar seu intento, alegando que haveria concorrência desleal
-justamente porque a disponibilização de uma rede de internet sem fio gratuita
possibilitaria a disseminação do uso de telefones pelo sistema voz sobre IP,
acabando com os custos das ligações.
Semelhante preocupação parece não afligir ainda a Telefônica, operadora de
telefonia de Sud Mennucci e também provedora do link por meio do qual a
prefeitura dissemina a internet gratuita. A reportagem procurou a empresa, que
preferiu não se manifestar.
De qualquer modo, o tamanho da cidade e de sua economia sustentada pela agropecuária
-com arrecadação de pouco mais de R$ 5 milhões em ICMS no ano passado- não
é de fato indicativo de uma possível revolução das telecomunicações que
poderia reduzir o lucro das operadoras.
Contraponto
Se por um lado Sud Mennucci tem o que é possivelmente o mais avançado sistemas
de internet sem fio gratuita do país, por outro não tem nem loja de produtos
de informática; a prefeitura, que é o provedor local, não tem um site
oficial, e, das cerca de 2.000 casas da cidade, só 107 estão ligadas ao
servidor da prefeitura.
Mas as mudanças de comportamento graças ao advento da internet de alta
velocidade gratuita já atingem muito mais pessoas do que apenas as que têm
conexão em casa. Elizabeth Mesquita, coordenadora da biblioteca municipal, único
lugar que possui computadores acessíveis a toda a população, explica que,
desde que eles foram instalados, a freqüência aumentou em 50%.
Muitos usuários utilizaram o acesso da biblioteca para se inscrever no Prouni
(Programa Universidade para Todos), que concede bolsas em instituições
particulares de ensino superior a alunos de baixa renda, mas o aumento da freqüência
se refletiu também no crescimento da retirada de livros -de uma média de 10
por dia para 25 por dia.
O exemplo da cidade e o potencial desse acesso à internet para a população já
despertam a atenção de outros municípios -funcionários das prefeituras do
Rio e Curitiba, por exemplo, já procuraram a administração de Sud Mennucci
atrás de informações.
|