Ludwik Lejzer Zamenhof, oftalmologista e linguista polonês de origem judaica, assinou seu primeiro livro, A língua internacioal - publicado em 1887 - como Doktoro Esperanto (Doutor Esperanto), um pseudônimo que daria nome à nova linguagem artificial, em cuja criação ele havia trabalhado por mais de uma década.
Seu objetivo era que ela servisse como um idioma auxiliar internacional, uma segunda língua de fácil aprendizagem que permitisse a pessoas de qualquer parte do mundo se entenderem. Um papel utópico que, bem ou mal, tem sido desempenhado pelo inglês - ainda que a língua inglesa não tenha o caráter neutro com que sonhou Zamenhof.
Atualmente, aquela que muitos consideram uma língua morta é falada por um número de pessoas que, segundo fontes, oscila entre cem mil e dois milhões em todo o mundo, da China à América Latina. É uma estimativa ampla, que "se deve a não haver um censo que investigue o número de falantes do esperanto e ao fato de se poder incluir nesse número desde quem só sabe dizer 'bom dia' até quem a utiliza diariamente", explica o presidente da Federação Espanhola de Esperanto, Pedro Hernández.
"Na Espanha, as últimas estatísticas que tenho dizem que há cerca de 15 mil falantes de esperanto no país, ainda que não se tenha como saber com certeza, é mais ou menos como perguntar quantas pessoas tocam violão", explica.
Com o fim de debater sobre os métodos de aprendizagem e promoção desta língua, no mês passado foi realizado em Cuba o 95º Congresso Universal de Esperanto. Mais de mil pessoas de 60 apíses participaram de um encontro cuja primeiro edição se realizou em 1905 e que este ano tratou de demonstrar que "é uma língua sem fronteiras nas áreas da paz e da comunicação dos povos", segundo declarou neste encontro o presidente da Liga Internacional de Professores de Esperanto, Stefan MacGill.
O impulso da
internet
Entre os métodos de
promoção se sobressai a
divulgação virtual. Na
atual sociedade global,
a internet vem dando um
empurrão no esperanto,
que ganha força como uma
possibilidade de
facilitar a comunicação
com o mundo, embora nem
os mais otimistas
considerem que ela possa
se posicionar como uma
alternativa ao inglês.
"A internet proporcionou um 'boom' para o nosso idioma. Antigamente, nos anos 20, os esperantistas mantinham correspondência, mas as cartas levavam meses. Hoje temos meios como o correio eletrônico, os chats, Skype e redes sociais como Facebook, que fizeram com que muitas pessoas se interessassem pelo esperanto para se comunicar na rede", explicou Hernández.
O esperanto também chegou à Wikipedia, a famosa enciclopédia virtual livre, que dispõe de uma versão neste idioma que já inclui mais de 132 mil artigos.
O principal portal de aprendizagem virtual é o Lernu (lernu.net), um site gratuito criado em 2004 e que conta com mais de 89,3 mil usuários registrados, divididos por níveis - nulo, básico, médio e alto. Mas a internet é apenas uma das vias para aprender esperanto. As principais são os cursos presenciais ou por correio em associações, organizados pela Liga Internacional de Professores de Esperanto, e outra alternativa é aprender de forma autodidata.
"Com outros idiomas isso não seria possível, mas com o esperanto pode ser feito por causa de suas regras simples", explica Antonio del Barrio, diretor da Fundação Esperanto, fundada em 1969 por Miguel Sancho Izquierdo e que trabalha de forma paralela à Federação Espanhola, encarregando-se das questões administrativas, pesquisas históricas e trabalhos editoriais.
Essa estrutura simples a que se refere Del Barrio buscava permitir uma aprendizagem rápida por parte de pessoas com qualquer língua materna. Assim, o esperanto tem 16 regras gramaticais sem exceções, um alfabeto fônico que facilita a pronúncia, uma estrutura regular para suas terminações e uma base léxica formada por raízes do latim e de línguas indoeuropeias e germânicas.
Às possibilidades comunicativas que o esperanto oferece se soma uma vantagem que vem ganhando relevância nos últimos anos, o "pasporta servo" (serviço passaporte), uma rede mundial na qual as pessoas inscritas oferecem alojamento gratuito, com o único requisito de que o hóspede seja um falante de esperanto.
O serviço, que funciona desde 1974, pemite aos esperantistas viajar por todo o mundo de uma forma econômica e assim aproximar-se dos objetivos originais desta língua. "Há valores que incentivam a aprender esperanto, como o interesse por se comunicar com gente de outros países e conhecer outras culturas e isso reúne uma série de princípios éticos como o respeito aos demais", diz Pedro Hernández.
"Só uma língua ou
também ideologia?"
Esses valores estão
assentados vagamente na
doutrina filosófica que
impulsionou Zamenhof, o
homaranismo, um ideário
pacifista que "pretendia
basear as relações
humanas em valores
humanistas", explica
Hernández.
Mas os esperantistas esclarecem que não existe uma ideologia por trás da língua. "Há associações de esperantistas religiosas e ateias, de direita e de esquerda, de amigos dos gatos, homossexuais, ecologistas ou fãs de rádio. Afinal, a língua é um meio de comunicação e cada um a usa para as finalidades que bem entender", afirma o presidente da Federação Espanhola de Esperanto.
Esta separação não esteve tão definida nas primeiras décadas do século XX, quando o esperanto se associava a movimentos anarquistas e operários. Isso fez com que a Espanha fosse um dos centros do esperantismo durante o período da República (1931 - 1936) mas sofresse pressões durante a ditadura de Franco, sobretudo nos primeiros anos, e seus falantes eram vistos com receio.
"Durante o franquismo, houve pessoas que deixaram de falar o esperanto para não se meter em problemas, mas a situação na Espanha não foi muito radical, de fato, nos anos 60 havia simpatizantes do regime que o falavam. Na Alemanha de Hitler, por exemplo, o esperanto foi diretamente proibido e sob o regime de Stálin, na Rússia, se chegou inclusive a matar os esperantistas", cota Antonio del Barrio.
Hoje, já sem pressões governamentais nem vinculações políticas ou ideológicas, o esperanto sobrevive entre os que o veem como a utopia com tinas humanistas do doutor Zamenhof e os que defendem, com dados na mão, que é uma língua viva com usos reais e que tem excelente saúde graças às possibilidade que agora lhe trazem o mundo virtual.
Agencia EFE