Da noite para o dia, eu tinha me transformado. De alguém cool em relação a novidades tecnológicas, me transformara em uma obcecada com a ideia fixa: "Preciso de um iPad."
Surtos consumistas são raros em mim --sei me controlar. Também nunca me encaixei naquela turma de adoradores da Apple (pedantes?). Mas foi só pegar e tocar no pequeno monólito preto e prata sem um único parafuso à vista, para perceber que eu não podia mais viver sem ele.
O iPad tornou-se indispensável para mim exatamente porque leva ao extremo a ideia de parecer desencarnado da tecnologia, tornada invisível. Você não precisa nem saber o que é software. Não precisa e nem deve imaginar os circuitos dentro. Não precisa nem do tléc-tléc da mecânica de teclas subindo e descendo.
A Apple fez tudo para que se acreditasse que o dedilhar, o toque, a coreografia de polegares e indicadores abrindo-se e fechando-se em movimento de pinça pudessem descortinar mundos desconhecidos. Conseguiu graças à tela ultrassensível que criou, mas que ninguém precisa saber como funciona.
Ninguém se preocupa, porque parece tão natural --como se sempre tivesse existido ou sido assim.
Os adversários do iPad gostam de dizer que tudo no produto (até trocar a bateria) passa pelo crivo dos executivos da Apple --sobraria pouco ou nenhum espaço para a criatividade dos hackers de software e hardware, que expandiram, desafiadores, os limites da tecnologia dos últimos tempos.
É verdade. Todos os programas --aqui chamados de aplicativos-- têm de ser baixados da App Store (e cobrados em dólar, aliás). E só entram na "lojinha" os aplicativos testados e aprovados pela equipe da Apple. Não há riscos (de vírus, de piratas, de ciberataques).
Tenho de reconhecer: é um vício essa tutela extremada, que chega a infantilizar adultos --por sinal, acabo de ser apresentada por um circunspecto executivo da Folha ao aplicativo Talking Tom, que permite fazer pequenas gravações de entrevistas, digitalizando vozes em timbre de desenho animado. Adoramos.
Sem me ocupar com a tecnologia, posso ler um livro eletrônico como se lê um livro de papel (quem é que folheia um, pensando em como as fibras de celulose viraram páginas?) Posso ler o jornal ou a revista pelo simples prazer de ler o jornal ou a revista.
E basta um dedilhar para que o monólito se transforme em guia de ruas, livro de gastronomia, GPS, observatório astronômico, ou o que quer que seja (ou que os caras da Apple deixam).
O grande risco --já me dei conta-- é o de comprar mais do que o juízo permitiria. Quando se vai às compras nas lojas reais, sabemos que exageramos quando o limite do cartão de crédito estoura, mas também quando a quantidade de sacolas e embrulhos fica grande demais.
No iPad, o tamanho físico é sempre o mesmo (730 gramas, 24x19x1,3 centímetros). Quanto aos preços dos produtos, em geral são baixos (um joguinho sai por R$ 4). É fácil se deixar levar pelo impulso consumista.
Eu mal comprei o meu iPad e já se fala no lançamento do iPad 2, que deve acontecer daqui a três ou quatro meses. OK, nem fico triste. É assim mesmo. Gadgets como esse nascem, crescem, brilham e morrem rápido, para que as novas gerações possam chegar. Meu iPad estará no lixo em dois anos, tenho certeza. Vai com Deus.
Folha online