Na quinta-feira da semana passada, dia 4, o
Facebook atingiu um patamar colossal ao se tornar uma rede que reúne 1
bilhão de internautas no mundo. Isso significa que uma a cada sete pessoas do
planeta possui conta no site, ou seja, um sétimo da população da Terra pode ser
considerado cliente de Mark Zuckerberg. É um tremendo status para um serviço que
começou há menos de dez anos, afinal, o
Facebook conseguiu reunir gostos, hábitos e preferências de toda essa
multidão.
"O número é realmente impressionante", declara Liráucio Girardi Jr.,
doutor em sociologia e professor na Faculdade Cásper Líbero e na Universidade
Municipal de São Caetano do Sul. O acadêmico considera o fato "um belo casamento
entre engenharia da computação e engenharia social".
Serviços como este mostram como a sociedade continua trabalhando para vencer
barreiras de expressão. O advento da comunicação em massa, explica o professor,
serviu tanto para derrubar a territorialização da comunicação, quanto para criar
filtros, pois passamos a depender de intermediários (partidos, donos de jornais,
editores, donos de gravadoras, empresários e diretores canais de televisão e
rádio etc.).
"O
Facebook (e outros antes dele) amplificou o 'express yourself 2.0'. O custo
de se produzir e distribuir/compartilhar informação, fotos, filmes, música,
poesia, opinião foi reduzido quase que a zero", comenta Girardi. "Zuckerberg
parece ter entendido muito bem o significado disso - ou se apropriou bem dessa
ideia."
Luli Radfaher, Ph.D. em comunicação digital e professor na
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, acredita que o
Facebook ainda vai crescer mais. Muito mais. "Ele está entrando num patamar
gigantesco, a caminho de se transformar em algo como Google e Microsoft", disse.
"O
Facebook é a rede social, as pessoas estão lá para compartilhar,
trocar ideias, informações etc., e só ele atende a essas funções plenamente."
Vigia
O
Facebook é mesmo um facilitador incontestável no campo comunicacional, prova
disso é que a rede forma atualmente 140,3 bilhões de conexões - ou "amizades".
Mesmo assim, há outro tema a ser observado no site: ele reúne uma quantidade não
revelada de informações, agora sobre 1 bilhão de sujeitos. Isso não é perigoso?
Ambos os especialistas ouvidos pelo Olhar Digital concordam que
não há com o que se preocupar em relação à retenção de dados. Para Girardi, o
Facebook se vê obrigado a manter uma conduta polida justamente por ser
constantemente vigiado. Isso porque a lógica comercial esbarra na lógica da
cultura hacker, centrada na informação livre, na descentralização, na
desconfiança com relação às autoridades. "A questão é saber até que ponto o
Facebook vai conseguir andar no fio da navalha", diz. "Atualmente, ele tem
sido forçado a respeitar esses princípios pelos próprios membros da cultura
hacker."
Já Radfaher diz que o barulho em torno dos dados chega a ser injustificável,
pois o
Facebook não é o único com tamanho banco de dados - as operadoras de cartão
de crédito, por exemplo, podem saber menos hábitos, mas têm mais poder
financeiro sobre cada um de seus clientes. "O problema é outro, porque os dados
não são meus há muito tempo; o problema é como eles são usados, pra quem são
vendidos e por quê. Eu quero saber o que estão fazendo com minhas informações."
Segundo ele, o ideal seria que os dados fossem todos abertos, ao invés de
pertencer a determinados grupos, já que ninguém sabe ao certo o que acontece com
o que é publicado na internet.
Educação
Esbarra-se, ainda, noutra questão: as pessoas sabem o que é o Facebook? O
professor da USP acha que não, que a maioria dos usuários sabe usá-lo, mas não
entende bem o funcionamento dele e o porquê de sua existência. Seria necessário
aplicar seriamente a alfabetização digital, que é a compreensão real do que
querem dizer as ferramentas.
Por mais que esteja sob vigilância constante - afinal, atente a 1/7 da Terra - o
Facebook não passa de um serviço privado, que pertence a acionistas e pode
muito bem mudar o que quiser sem perguntar nada a nenhum dos usuários. O
Olhar Digital relembrou recentemente alguns dos termos concordados por
todos os que resolvem se tornar parte dessa comunidade (veja
aqui); são as regras de convivência, que deixam uma coisa bem clara: a rede
pode até ser social, mas não é sua.
"A maior parte dos usuários das
redes sociais não tem muita noção dos aspectos sociais, culturais, jurídicos
ou políticos da rede. Como não tem, também, sobre a maioria dos recursos que usa
no seu dia a dia", explica Girardi. "Assim como o Google", complementa Radfaher,
"ninguém entende que o Google pertence a alguém, acham que é um serviço
público."
Imbatível?
Ainda não se sabe o que acontecerá com o
Facebook e até onde vai, só que ele tem lutado para manter os usuários
ativos pelo máximo de tempo possível. Isso começou com a adoção da Linha do
Tempo, anunciada por Zuckerberg com o propósito de transformar a rede social na
"casa" dos internautas. Depois vieram os investimentos maciços em plataformas
móveis, pelas quais pode-se levar o site a qualquer lugar.
Para desespero do Google e seu Google+, o
Facebook não deve ser substituído por um serviço semelhante, na opinião de
Radfaher, mas sim por outra plataforma, algo completamente diferente. A exemplo
disso, ele cita a Globo, maior rede televisiva do Brasil, que até hoje não
encontrou concorrente à altura - números de audiência comprovam isso - mas aos
poucos tem perdido terreno para a internet.
"O
Facebook conseguiu aquele tamanho que é bom o bastante, grande o suficiente.
Pensa no tamanho daquilo, é muito difícil deixar o Facebook, a dor de sair é
muito maior do que a satisfação de estar em outra rede", declara ele, que
sentencia: "O valor do
Facebook não está nele, mas nas relações que ele criou."
Girardi acha que o fundamental é que os princípios de liberdade na web sejam
sempre lembrados, discutidos e defendidos publicamente - nas escolas, nos meios
de comunicação, no debate sobre o marco civil da internet, nas reuniões entre
amigos. "É preciso que indivíduos e grupos inspirados na cultura hacker
participem do debate público e do próprio processo de controle e de inovação que
pretende criar um mundo melhor para as pessoas."
Olhar Digital