Nas últimas semanas, fóruns no site Reddit causaram
a demissão de um professor que postava fotos de
alunas de minissaia, do seu principal colaborador, e
um pedido de desculpas na televisão americana. Um
aplicativo que busca por fotos de amigas de biquíni
causou revolta ente organizações de proteção à
privacidade no Reino Unido. E até no Brasil um
perfil no Facebook, que divulgava imagens de
"beldades nos vagões" do metrô de São Paulo, acabou
mudando de proposta depois de indignar usuários - do
metrô e do site.
Os flagras de decotes e saias
curtas de anônimas na internet, que recentemente têm
se proliferado e gerado críticas, na verdade são
quase como um esporte para os adeptos da prática,
avalia o antropólogo Airton Luiz Jungblut, da
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
Sul (PUCRS).
De acordo com Jungblut, o troféu nessa disputa é
ganhar atenção.
"Isso faz parte de todo um rol de ações possível
graças à liberalidade que existe na internet. Para
você existir, para ser notado, é preciso ter algum
tipo de material que permita alguma exposição,
atrair olhares dos outros. Esse tipo de estratégia
de publicar fotos atende a essa demanda em busca de
evidência", afirmou Jungblut ao Terra.
As imagens costumam ser feitas em público, sem
que as vítimas suspeitem que estão sendo
fotografadas. No Reddit, por exemplo, a lista, hoje
encerrada, incentivava a publicação de fotos de
mulheres desconhecidas sem que elas tenham
conhecimento das intenções do fotógrafo - uma das
regras para publicação no mural. Mulheres com roupas
justas e decotadas são o principal alvo.
Apesar de reprovável, esse comportamento encontra
aceitação na "terra de ninguém" que é a internet,
observa Jungblut. A regra é simples: à medida em que
as pessoas interessadas nesse tipo de imagem
conhecem internautas com o mesmo interesse e tomam
consciência de iniciativas semelhantes, são
incentivados pela sensação de impunidade e liberdade
proporciona pela internet e acabam se sentindo à
vontade para utilizar a web de forma irresponsável.
O anonimato alimenta a ideia de que se pode agir
de maneira irresponsável na web sem que haja
consequências no mundo real. Por conta disso,
segundo o antropólogo, internautas se sentem à
vontade para fazer aquilo que não fariam offline.
Assim, pessoas interessadas nesse tipo de prática
encontram na internet um ambiente favorável a esse
tipo de exposição.
Voyeurismo inofensivo?
Para o professor, em geral não há maldade no público
que procura e produz esse tipo de conteúdo. Flagras
de mulheres nas ruas seriam apenas uma parte
inocente, sem grande gravidade, de todo um universo
de consumo de imagens produzidas com algum grau de
ilicitude - para as quais também há demanda, já que
existem muitas pessoas interessadas em coisas
estranhas, ilícitas, bizarras, na avaliação do
antropólogo.
"Quem faz isso são adolescentes, são amadores. Há
todo um outro público que troca imagens e filmes de
coisas bem mais escabrosas. Isso acaba se
transformando em uma espécie de esporte, uma maneira
de estar em evidência nos círculos em que você
transita na internet", disse Jungblut.
Apenas o interesse sexual despertado por
flagrantes de anônimas não explicaria a procura por
fotos como essas: "há pessoas que gostam dessa ideia
de foto 'roubada', o ilícito acaba sendo um
componente a mais. Além de tirar fotos dos seios ou
das nádegas de uma mulher no trem, no metrô, no
ônibus, você pode ver isso como algo roubado, feito
sem consentimento. Esse elemento de 'furto', de
'subtração ilícita' - pelo menos moralmente - agrega
a essa imagem um outro valor. Não é uma foto posada,
é obtida sorrateiramente, e há um pouco de fetiche
que acompanha essas fotos", afirmou Jungblut. "O
componente erótico não está tanto na foto, mas na
forma como ela foi obtida: há um fetiche por trás
dessa foto 'roubada' que anima o imaginário do
voyeurismo", concluiu.