Linhas
traçadas pela fé
Após um ano de sua morte, chico xavier continua
presente. Seu Filho e seus amigos dão continuidade
à obra do maior médium do Brasil
Rita
Moraes – Uberaba (MG)
No dia 30 de junho faz um ano que Francisco Cândido Xavier deixou a Terra
para ir viver no mundo dos espíritos, como costumava chamar o reino da morte.
Mas o médium mais famoso do Brasil e – pode-se dizer – o grande responsável
pela adesão de muitos dos 2,34 milhões de brasileiros que adotam a sua fé
continua presente na cidade que testemunhou sua vida de dedicação. Em Uberaba,
Minas Gerais, as ruas e os jardins em volta do Grupo Espírita da Prece, onde
Chico Xavier costumava receber mais de mil pessoas por semana em busca de
mensagens do além, ainda ficam apinhados de gente. Às quintas-feiras, de 600 a
800 pessoas continuam a receber o prato de comida que Chico Xavier oferecia aos
necessitados. A mensagem que ele – agora do lado de lá – enviaria aos que
aqui ficaram ainda não veio, mas caravanas de todo o Brasil continuam a chegar
à cidade. A cada fim de semana, pelo menos 300 pessoas visitam seus lugares
preferidos e a casa simples em que vivia, hoje transformada em museu. No ano que
vem, segundo a prefeitura, poderão também conhecer o Memorial Chico Xavier, a
ser construído em um dos parques da cidade.
Na moradia de cinco cômodos de Chico Xavier, quase tudo está como ele
deixou. Apenas os quadros com fotos dele com amigos foram acrescentados às
paredes. Nos quartos, a cama arrumada, as imagens de santos, roupas e até
alguns remédios dão a idéia de que ele está para chegar. Penduradas numa
parede, as muitas boinas que usava para se proteger do frio nas sessões que iam
até de madrugada. Uma missão que ele cumpriu com prazer até dois anos antes
da morte, aos 92. Numa saleta, seus livros preferidos e a máquina de escrever
que usou para registrar a primeira de suas 412 obras psicografadas e traduzidas
em várias línguas. “Animado e alegre, ele gostava de fazer piadas. Não
criticava ninguém, mas era muito firme”, relembra Kátia Maria, 38 anos,
a amiga que presenciou seu último momento. “Ele levantou as mãos para o céu
como em prece e se foi”, conta ela.
Em seus últimos meses de vida, Chico não podia mais psicografar. Mas
só a sua presença servia de lenitivo para o povo. Ele ia até o Grupo Espírita
da Prece e a multidão beijava sua mão ou a colocava no corpo como para
transferir a energia santa que teria. No cemitério São João Batista, onde está
enterrado o seu corpo, as pessoas tentam repetir
o ritual. Meio católica meio espírita, a doméstica Débora Mendonça,
23 anos, coloca flores vermelhas perto do busto de bronze, colocado
num aparador externo. Passa a mão na imagem de Chico e ora. “Vim
pedir a ele um emprego”, explica ela. A dona-de-casa Irani Aparecida
de Moura, 52 anos, se aproxima e fala da saudade que sente. “Conheci Chico aos
15 anos. Acostumei a pedir sua bênção. Hoje, peço uma
graça para meus filhos”, diz.
O mausoléu, construído pela editora Ideal, de São Paulo, não chega a ser
suntuoso, mas chama a atenção. Sobre o túmulo, cercadas por vidros blindados,
uma mesa e uma imagem em bronze de Chico com a mão sobre os olhos reproduzem a
famosa posição de quando psicografava. O aparato de segurança foi necessário
para evitar a violação do túmulo, um receio do médium. “Chegaram a
manifestar o desejo de analisar o seu cérebro, já que Chico, apenas com o primário,
versava sobre tão profundos assuntos, mas ele não queria que mexessem em seu
corpo”, explica o dentista Eurípedes Higino dos Reis, 52 anos. Filho do coração
de Chico, Higino dos Reis foi criado pelo médium desde os oito anos. “Morávamos
em Ituiutaba. Minha mãe nem conhecia o Chico, mas veio pedir um conselho. Ele a
tirou da fila e disse que um filho seu iria trabalhar com ele. Era eu”,
relembra.
Em 2001, Higino dos Reis passou por maus momentos ao se separar da mulher,
Christine Schultz. Foi acusado de se apropriar do dinheiro de direitos autorais
de obras de Chico. Agora, está aliviado. O processo foi suspenso por falta de
provas. “A verba em questão se referia à venda de um CD de mensagens, mas a
gravadora nunca mandou o dinheiro”, explica José Vasconcellos, advogado de
Higino dos Reis. Na época, falou-se até que o filho adotivo de Chico o
maltratava, mas a maior prova de confiança nele foi dada pelo próprio médium.
Prevendo que muitas mensagens apareceriam em seu nome após a sua morte, o médium
combinou um código com apenas três pessoas, entre elas o filho. As outras duas
são a amiga Kátia e o médico Eurípedes Vieira, 65 anos. Até hoje, ninguém
recebeu a mensagem com o tal código.
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