Turbina
atômica agora é realidade
Nasa produz sondas com turbinas nucleares e promete
revolucionar a pesquisa
Pablo
Nogueira
A agência espacial americana partiu para iniciar a fase atômica da
pesquisa espacial. No fim do mês passado, a Nasa encomendou à empresa
Lockheed Martin a construção da sonda Jimo, que vai utilizar um reator
de fissão para abastecer seus instrumentos e sistemas de propulsão. A
aposta na energia atômica visa desenvolver uma geração de veículos
espaciais muito superiores aos atuais. Estimativas mostram que a propulsão
nuclear poderia reduzir de 85% para 50% a participação dos combustíveis
no peso total de um foguete. Além disso, o tempo necessário para uma
viagem a Marte cairia de seis meses para dois. Para quem acha esses cálculos
exagerados, é bom lembrar que uma lata de refrigerante cheia de plutônio
pode liberar 50 vezes mais energia do que a desprendida no lançamento
de um ônibus espacial. Mas ambientalistas e muitos membros da
comunidade espacial se opõem aos novos projetos, vendo neles a ameaça
potencial de um trágico acidente nuclear.
Idéia antiga
A Nasa anunciou que a sonda Jimo será o cartão de visita da nova
iniciativa nuclear. Idéias semelhantes surgiram nos anos 1960, mas
projetos como o foguete Órion (acima) foram abandonados devido ao fim
dos testes nucleares ao ar livre
A guinada nuclear da Nasa
começou no ano passado com a criação do projeto Iniciativa de
Sistemas Nucleares (ISN). Seu orçamento de US$ 1 billhão para cinco
anos destina-se a desenvolver novas tecnologias para a utilização da
energia nuclear nas áreas de geração de eletricidade e propulsão.
Este ano o ISN ganhou um nome mais ambicioso, Prometheus, numa alusão
ao personagem da mitologia grega que deu à humanidade o conhecimento do
fogo. A escolha da Jimo (sigla para Jupiter Icy Moons Orbiter, ou satélite
das luas geladas de Júpiter, em português) para a primeira missão do
Prometheus mostra uma aposta estratégica. A missão vai esquadrinhar
Calisto, Galileu e Europa, lugares onde se acredita haver as maiores
possibilidades de encontrar vida extraterrestre. Por ser uma operação
de imenso valor científico e de interesse popular garantido, a Jimo será
o melhor cartão de visitas que qualquer nova tecnologia poderia
desejar. E sua incorporação ao Prometheus, ocorrida em meados deste
ano, significou um acréscimo de US$ 2 bilhões ao orçamento do
projeto.
Por trás do Prometheus
está o presidente da Nasa, Sean O'Keefe. Ele chega a comparar a atual
tecnologia espacial com a era dos barcos a vela, e diz que as novidades
que vêm por aí levarão a uma transformação semelhante à
desencadeada, na navegação, pela introdução do vapor no século 18.
"Nossas naves ainda voam às mesmas velocidades que voavam na década
de 60", disse numa entrevisa à TV interna da Nasa. "Mas o uso
da energia nuclear irá transformar dramaticamente nossa capacidade de
exploração espacial."
Eletricidade por décadas
Essa transformação pode
ocorrer em dois setores. O primeiro é a área de produção de
eletricidade. Há décadas a Nasa recorre a um dispositivo chamado RTG,
que usa a radioatividade natural do plutônio 238 como fonte de calor,
do qual, posteriormente, gera-se eletricidade. RTGs equiparam 45 missões,
algumas delas famosas como a Apollo, a Viking e a Pioneer (cujos
instrumentos ainda funcionam, após mais de 20 anos de atividade). Mas
os RTGs têm claras limitações, e apenas 6% do total do calor que
liberam se transforma em eletricidade (em média, 300 watts). Em 2002 a
Nasa encomendou à Boeing a criação de um novo sistema, usando um
reator nuclear, que seja capaz de gerar eletricidade da ordem de 30 kW,
desempenho 100 vezes melhor do que o dos RTGs. Isso teoricamente
permitirá às sondas transmitir 100 vezes mais dados, e poderá
acelerar a pesquisa espacial.
Outra possibilidade é
substituir os tradicionais sistemas de propulsão química. O projeto
Safe (sigla para "motor de fissão seguro e barato"),
desenvolvido no Laboratório Nacional Los Alamos, no Novo México, usa
urânio para gerar eletricidade e alimentar um motor de propulsão que
utiliza gases ionizados (veja infográfico na página seguinte). A Nasa
já anunciou que um sistema semelhante será usado para equipar a Jimo.
O problema é que esse tipo de propulsão só funcionaria bem em
ambientes de baixa gravidade. Para gerar o gigantesco impulso necessário
para retirar um veículo da órbita terrestre, a alternativa é recorrer
aos foguetes termonucleares, que vêm sendo estudados pelos americanos
desde os anos 1950.
"Marte e Saturno até
1970"
A idéia era defendida
por grandes nomes da ciência, como o alemão Werner von Braun (o maior
cientista de foguetes da história da Nasa e um dos maiores
especialistas em propulsão química) e o físico americano Freeman
Dyson. De 1957 a 1964 Dyson trabalhou num projeto chamado Orion, um
foguete impulsionado pela explosão em série de bombas atômicas de 1
megaton à sua retaguarda. Segundo Dyson, o lema do projeto era
"Marte em 1965 e Saturno em 1970". Um protótipo, usando
explosivos convencionais, chegou a voar e maravilhou Von Braun. Mas em
1963, os EUA assinaram um acordo banindo testes atômicos ao ar livre, e
a pesquisa do Órion teve que ser encerrada.
"A propulsão química
tem pelo menos uma limitação séria", explica José Nivaldo
Rinkel, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe)
na área de desenvolvimento de propulsores de propelentes líquidos.
"Ela exige muito combustível para atingir as elevadas velocidades
relacionadas à atividade espacial." Ele acha que o uso da energia
nuclear traz "grandes riscos ambientais", mas poderia causar
importantes mudanças no transporte de material para a órbita da Terra.
Por exemplo um ônibus espacial com propulsão nuclear poderia comportar
200% ou até 300% mais equipamentos, já que a menor necessidade de
propelente deixaria mais espaço para o transporte de carga útil.
São números assim que
incendeiam a imaginação dos apaixonados pelo espaço. "Sem a
energia nuclear, a colonização de Marte é impossível", disse a
GALILEU o engenheiro astronáutico americano Robert Zubrin, presidente
da Mars Society, uma fundação destinada a dar apoio a projetos
voltados para o planeta vermelho. "Com a propulsão atômica
poderemos chegar em Marte em um terço do tempo necessário hoje. Ou
levar o mesmo tempo que uma nave comum, mas transportar o dobro de carga
útil e cortar pela metade os custos da missão", calcula.
Mas é preciso pesar os
riscos inerentes à tecnologia nuclear. Durante anos, RTGs cheios de
plutônio eram usados em satélites na órbita terrestre. Em 1964 o
Transit 5BN não conseguiu entrar em órbita e desintegrou-se na
reentrada. Seus 0,95 kg de material radioativo espalharam-se pelo
planeta. O episódio atraiu a ira de ambientalistas europeus, que
encontraram restos do plutônio espalhados na atmosfera de todos os
continentes. O episódios teria levado a um aumento na incidência de câncer
de garganta no mundo.
Quem acusa é o
especialista em física médica John Gofman, ex-colaborador do Projeto
Manhattan que pesquisou o assunto nos anos 1970. Houve mais dois
acidentes até 1970, mas sem registro de vazamentos. Por via das dúvidas,
os americanos adotaram a energia solar para seus satélites e estações
espaciais. Porém, as sondas interplanetárias continuaram usando plutônio,
sob a justificação de que suas missões acontecem longe da Terra e que
a distância do Sol prejudica o uso da energia solar.
A maior polêmica
combinando espaço e energia nuclear envolveu a sonda Cassini, lançada
em 1997. A sonda fez uma passagem perto da Terra em 1999, com o objetivo
de receber um impulso da gravidade do planeta. Houve quem enxergasse ali
o perigo de um "Chernobyl no céu", já que um eventual
vazamento radioativo causaria uma tragédia. A própria Nasa tinha um
plano de emergência que prescrevia medidas drásticas como a evacuação
de cidades inteiras. Felizmente nada aconteceu.
A ONG americana Rede
Global contra Armas e Energia Nuclear no Espaço já está protestando
contra a guinada nuclear da Nasa, argumentando que a população da
Terra tem o direito de ser consultada sobre a "nuclearização do
espaço". A Nasa programou uma apresentação do projeto Prometheus
para um congresso de exploração espacial em fevereiro deste ano, mas
teve que cancelar devido à explosão do Columbia alguns dias antes do
evento. Se a palestra tivesse ocorrido, certamente alguém indagaria
sobre as possíveis conseqüências da explosão /de uma nave equipada
com material atômico em grande quantidade. Mais cedo ou mais tarde, a
Nasa vai ter que responder a essa pergunta.
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