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Ela mora num vagão
O terreno, em frente a uma linha de trem em Curitiba, já
parecia sugerir a idéia. Mas foi o gosto pelo inusitado, a paixão antiga por
esse meio de transporte e uma tremenda persistência que levaram a arquiteta
Karina Pimentel a viver neste vagão, comprado num leilão de sucatas da rede
ferroviária federal. Apoiada numa estrutura de concreto (que também deu origem
à garagem), esta moradia fora do comum chama a atenção de vizinhos, curiosos,
estudantes de arquitetura e até de um maquinista que, emocionado, trouxe o
filho. “Ele veio me contar que este vagão fazia parte da composição que
costumava conduzir”, lembra Karina.
Como tantas outras histórias sobre a construção de
casas, a de Karina Pimentel começa com a compra do terreno. O lote era velho
conhecido: ficava nas redondezas do primeiro emprego da arquiteta após a
faculdade e ela, que começou a namorar o pedaço de terra nos passeios da hora
do almoço, manteve o flerte durante dez anos. Um dia, decidiu tocar a campainha
de um vizinho e perguntar quem era o dono daquela área comprida e estreita, de
11 x 24 m. “Descobri que o local estava à venda. Marquei uma hora com o
proprietário e ele aceitou minha proposta”, lembra. Até aqui, a história
segue um roteiro bastante convencional. Mas, para entender por que esta narração
desemboca num vagão de trem, e não numa prosaica casinha, é preciso deixar
Karina falar.
“Desde criança, tenho uma relação forte com trens. O
fato de unir dois pontos, levar gente, percorrer um trilho, cruzar montanhas, o
barulho do apito, tudo isso sempre me atraiu. Ainda menina, fiz um passeio até
Paranaguá pela estrada de ferro centenária e senti a ligação se
estreitar”, conta. Vários amigos sabiam dessa paixão da arquiteta e foi um
deles, Marcel, quem telefonou para avisar que a rede ferroviária estava prestes
a leiloar vagões. A essa altura, fazia um ano que Karina comprara o terreno.
Sem muito tempo para pensar, pois o leilão começava em duas horas, ela e o
amigo partiram. “Eu não sabia direito como um leilão funcionava. Era a única
mulher entre um monte de homens, estava muito nervosa. Nem acredito que
arrematei meu vagão."
Quando o leiloeiro bateu o martelo, Karina imaginou que, ao final dos trâmites
para a liberação do veículo, bastaria transportá-lo pelos trilhos até a
linha de trem em frente ao terreno. Estava enganada. “Por uma norma de segurança,
a rede ferroviária não permite que um vagão trafegue sozinho. Seria preciso
colocá-lo sobre uma carreta e conduzi-lo pelas ruas de Curitiba”, diz. O
amigo Marcel entrou em ação novamente: arrumou o caminhão e ajudou a traçar
um percurso pelas avenidas mais largas da cidade, prevendo que o vagão poderia
entalar ou enroscar nos fios. “Resolvemos fazer a mudança no horário da
final da Copa do Mundo, quando o Brasil foi pentacampeão, pois as ruas estariam
vazias”, conta Karina. “Mas choveu e tivemos de adiar para o domingo
seguinte.”
O comboio finalmente partiu. “Porém, a apenas 50 m do terreno, o vagão, que
pesa 37 toneladas, quase tombou. Tratamos de endireitá-lo com cordas puxadas
por outro caminhão”, lembra a arquiteta. Mais imprevistos: a rua do terreno
é estreita, não havia espaço para o veículo fazer a curva e entrar no lote.
“Foram duas semanas até criar um aparato que erguesse todo aquele peso.” As
economias da arquiteta, e também alguns empréstimos de amigos, se esgotaram na
logística de transporte. Karina teve de engavetar a idéia inicial: usar o vagão
como escritório e construir uma casa ao lado dele. Decidiu morar e trabalhar no
mesmo espaço. “Estou realizada. Mas não desisti do meu projeto
original."
Texto: Liége Fuentes e Lúcia Santos Gurovitz
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