Altas
doses de perigo
Mortes e casos de cegueira
causados recentemente por remédios geram inquietação entre
consumidores e expõem fraudes cometidas na fabricação
Como
comprar um rémedio com mais segurança
Juliane Zaché, Lena Castellón e Ricardo Miranda
Nas últimas semanas, alguns acontecimentos colocaram em
xeque a qualidade dos remédios vendidos no País. O mais
recente é o caso da solução oftalmológica Methyl Lens Hypac
2% (metilcelulose), fabricado pela Lens Surgical, de Campinas
(SP) e distribuído pela Medphacos. O gel, indicado para ser
usado após cirurgias de catarata, estava contaminado pela bactéria
Enterobacter cloacae. Até quarta-feira 18, contabilizavam-se 13
pacientes que usaram a substância e ficaram cegos. O uso de
outro produto oftalmológico foi responsável por mais uma tragédia.
O gel Oft Visc, fabricado pelo laboratório paulista Oft Vision,
provocou infecção ocular em 218 pessoas no Brasil. Acredita-se
que o produto tenha sido contaminado pela mesma bactéria que
infectou o Methyl. A fabricação e a comercialização dos
produtos da empresa estão proibidos no País desde a semana
passada.
Outra fatalidade, ocorrida há cerca de 20 dias, foi
provocada pelo uso do remédio Celobar, um contraste radiológico
tomado pelo paciente antes da realização de um exame de raios
X. O produto, da empresa Enila Indústria Química e Farmacêutica,
do Rio de Janeiro, tinha na sua fórmula o composto carbonato de
bário, substância altamente tóxica usada na fabricação de
veneno de rato. O que deveria constar na preparação do remédio
era sulfato de bário. Na semana passada, foi confirmada a morte
de um paciente que tomou o Celobar e havia outras 21 mortes que
podem estar relacionadas ao produto.
As duas tragédias deixaram os brasileiros assustados. A
principal questão é esclarecer qual o tipo de remédio estamos
tomando. Por enquanto, sabe-se que pelo menos nos casos do
Methyl e do Celobar o consumidor foi vítima da falta de
responsabilidade dos fabricantes. Os laboratórios produziram
medicamentos falsos ou modificaram suas fórmulas de maneira
inconsequente. No caso do gel, a empresa fabricou o remédio e não
o registrou na Anvisa. E mesmo assim ele foi vendido para
hospitais. A agência descobriu a farsa e em 4 de fevereiro fez
uma comunicação oficial sobre o caso. Já era tarde para
muitos pacientes. O laboratório Lens Surgical e a distribuidora
Medphacos foram interditados e as investigações continuam.
Mas a responsabilidade sobre essas fraudes não é apenas dos
laboratórios. Os hospitais que adquiriram o gel oftalmológico,
por exemplo, deveriam ter sido mais precavidos. As instituições
públicas são obrigadas a verificar se o produto que compram
tem registro na Anvisa. E seria de esperar que a mesma atitude
fosse tomada pelos estabelecimentos privados. “Mas há vários
hospitais que não têm nem mesmo farmacêuticos para cuidar dos
remédios da instituição”, denuncia Victor Hugo da Rosa,
presidente da Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar.
No meio dessa confusão, sobressai a revolta das vítimas,
como a passadeira Leontina Lopes, 64 anos. No dia 4 de
fevereiro, ela submeteu-se a uma cirurgia de catarata no olho
esquerdo. Ficou cega. Com vergonha da própria aparência, só
voltou a sair na rua depois de colocar uma prótese (parecida
com uma lente de contato) para disfarçar “o olho morto”,
como diz. Não consegue mais trabalhar e vive na casa da filha.
“Tem de haver um culpado”, diz Leontina, que chora todos os
dias. A indignação sentida por Leontina também é vivenciada
pelo comerciário Flávio Diomedes, 47 anos. Seu irmão,
Ricardo, técnico de aparelhos odontológicos, morreu aos 57
anos no dia 21 de maio após ingerir o contraste Celobar para
fazer um exame de estômago no Hospital Juscelino Kubitschek, no
Rio. Na verdade, o produto usado por Ricardo deveria ter a substância
sulfato de bário. Mas, para economizar custos devido a
dificuldades financeiras, o Enila, que antes importava o
composto, resolveu fabricar a substância a partir de carbonato,
altamente tóxico. “Meu irmão foi assassinado”, acusa Flávio.
O filho do técnico, Ricardo Júnior, 29 anos, quer justiça.
“O caso não pode cair no esquecimento”, pede. O delegado
Renato Nunes, da Delegacia de Repressão aos Crimes contra a Saúde
Pública do Rio, enfatiza que todos os envolvidos no processo são
responsáveis. Por enquanto, a empresa Enila foi interditada, e
estão proibidos de deixar o País o diretor-presidente do
laboratório, Márcio D’Icarahy, a farmacêutica responsável,
Márcia Almeida Fernandes, o químico Antônio Carlos Fonseca e
o gerente de produção Wagner Teixeira.
Istoé
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