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Superjatos de gás revelam formação
de estrelas
Reinaldo
José Lopes
UOL Inovação
Eles podem cruzar as distâncias interestelares a velocidades
supersônicas ou próximas da com que viaja a própria luz. São jatos
de gás cujo formato e composição química trazem informações
valiosas sobre estrelas em formação e suas contrapartes
incrivelmente mais velhas, os quasares -núcleos de galáxias
habitados por imensos buracos negros. Um grupo de pesquisadores do
Instituto Astronômico e Geofísico da USP, usando simulações de
computador que comparam a atividade dos jatos cósmicos a fluidos
parecidos que existem na Terra, está ajudando a entender a formação
e a evolução desses sistemas.
Um dos jatos cuja trajetória foi simulada recentemente pela
pesquisadora Elisabete de Gouveia Dal Pino e seus colegas do IAG-USP
é o HH-34, localizado ao sul da nebulosa de Órion, a 1.600 anos-luz
da Terra. Ela explica que boa parte desses espirros cósmicos
(chamados de jatos supersônicos astrofísicos pelos cientistas) surge
durante o lento processo de condensação que dá origem a estrelas
semelhantes ao nosso Sol -portanto, com massa não muito grande para
os avantajados padrões estelares. "Nesses casos, a nuvem de gás
começa a colapsar [a "desabar" sobre si mesma, formando o
que vai ser o núcleo da futura estrela]", conta a astrofísica.
À medida que a massa da estrela em formação vai se condensando num
"caroço" central, tornando-se cada vez mais densa, a tendência
é que ela diminua seu raio. Para manter a velocidade da rotação em
torno de si mesma, a estrela-bebê alcança um momento crítico no
qual precisa cuspir para longe parte do gás que a circunda -criando
então o jato supersônico, que os telescópios na Terra são capazes
de detectar, embora de forma um tanto fragmentada. "A velocidade
é de centenas de quilômetros por segundo, bem maior que a do
som", afirma Dal Pino.
É exatamente esse ponto que as simulações dos pesquisadores
brasileiros podem explorar. "Esses jatos têm o mesmo
comportamento que fluidos supersônicos aqui na Terra", explica a
pesquisadora da USP. Para quem duvida que algum material fluido possa
se comportar do mesmo jeito aqui na Terra, uma boa dica é olhar para
o céu: quando um avião supersônico passa zunindo lá em cima, o
jato de ar que ele deixa atrás de si é um análogo bastante preciso
dos espirros estelares. "Existe uma correlação entre esses
mecanismos físicos", resume Dal Pino.
Na simulação, os pesquisadores "injetam" o que seria o
jato estelar dentro de uma caixa virtual em três dimensões, usando
parâmetros físicos para simular com precisão como aquela fonte de
matéria estelar se comportaria a velocidades supersônicas e como
interagiria com a matéria escassa, mas presente, no meio
interestelar. "E a simulação informa também as características
evolutivas do jato", diz a pesquisadora do IAG. "Você usa
essa radiação para contar a história da estrela."
No caso da maior parte dos jatos vindos de protoestrelas, a viagem
costuma não ultrapassar muito um parsec - unidade astronômica que
corresponde a cerca de três anos-luz. O jato da HH-34, simulado em
detalhes pelos pesquisadores da USP, provou ser excepcional nesse
caso: cruzou nada menos que 10 anos-luz em suas andanças pela galáxia.
Essa distância fenomenal só foi comprovada depois que as simulações
mostraram que o que parecia ser vários jatos isolados era, na
verdade, um único jato.
No entanto, nada se compara aos jatos emitidos pelos quasares. Eles vêm
do chamado disco de acreção do buraco negro, o halo de matéria e
energia que gira em torno desse corpo supermaciço conforme ele o vai
"deglutindo", fazendo desaparecer para sempre tudo o que
ultrapassa o seu horizonte de eventos -é como se o material
atravessasse um buraco no próprio tecido do espaço-tempo. Alguns
pedaços do disco de acreção, pelo mesmo processo que gera os jatos
supersônicos nas estrelas, acabam sendo lançados para longe. E
parece que eles têm muita pressa de escapar do buraco negro.
"Esses jatos alcançam as chamadas velocidades relativísticas,
com até 98% da velocidade da luz. Podem cruzar mais de 1 milhão de
parsecs", afirma Dal Pino. "As escalas são muito
diferentes, mas os fenômenos [os jatos das protoestrelas e os dos
quasares] são parecidos", diz a pesquisadora.
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