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Espiar é humano
O executivo da empresa que criou o programa Big
Brother diz que a curiosidade move o sucesso mundial dos reality shows
THOMAS TRAUMANN E ELISA MARTINS
O economista holandês Aat Schouwenaar, presidente da Endemol, faz parte
da geração que revolucionou a TV mundial. Em 1999, a companhia
apresentou na Holanda o primeiro Big Brother, o reality show que já foi
exibido em 22 países. Em quase todos, as primeiras edições dos BBs
foram atacadas pelos críticos como exploração de uma curiosidade
supostamente mórbida. Também em todos os países, os BBs superaram as
críticas e se tornaram megassucessos. Os reality shows fascinaram o público,
produziram dezenas de celebridades instantâneas e mudaram as grades das
programações. 'Ser curioso é humano', disse Schouwenaar, em
entrevista a ÉPOCA na quarta-feira, depois de um temporal no Rio de
Janeiro.
Por contrato, Schouwenaar não pode comentar o próximo Big Brother
Brasil, que estréia em janeiro na TV Globo. Foram recebidas 70 mil
inscrições e os vídeos dos desclassificados estão sendo veiculados
no Fantástico e no site do programa. O BBB4 terá novidades em relação
aos anos anteriores. Além dos 12 participantes escolhidos por vídeos e
entrevistas, mais dois serão selecionados por sorteio. Depois do
sorteio, eles terão de passar por testes físicos e psicológicos. Serão
um homem e uma mulher que entrarão no programa dois dias após o início
e terão imunidade por uma semana. Nesta entrevista, Schouwenaar dá uma
dica aos que pretendem levar os R$ 500 mil de prêmio do programa para
casa. 'Não há uma fórmula. Em geral, porém, ganha quem sabe tocar o
sentimento do público. Seja legal. Normalmente, o candidato manipulador
pode até chegar ao final, mas não ganha.'
Trajetória
Holandês, nascido em 1946. Formou-se em economia pela Universidade
Eramus, em Roterdã. Entrou para a empresa que deu origem à Endemol em
1992 como diretor-financeiro e assumiu a presidência em junho deste ano
A empresa
Fundada em 1994, a Endemol é uma das maiores produtoras de TV do
mundo. Além do Big Brother, criou mais de 600 formatos. Faturou 868
milhões de euros no ano passado
ÉPOCA - Programas como o Big Brother se baseiam na
curiosidade das pessoas sobre o que o outro está fazendo. Isso é
normal?
Aat Schouwenaar - Mas a curiosidade não é um sentimento
natural? Todos têm curiosidade de saber o que acontece na vizinhança.
É a base de muitas revistas, de livros, filmes e peças. Ser curioso é
a forma básica de conhecer alguém. Daí a idéia do Big Brother. Eu
diria que é mais natural do que se imagina.
ÉPOCA - Mas esse tipo de programa não exagera na invasão
de privacidade?
Schouwenaar - Primeiro, as pessoas escolhem participar ou não do
programa. Quando começamos com o Big Brother, em setembro de 1999 (na
Holanda), muitos falaram que isso era voyeurismo exagerado e que não
poderíamos tratar as pessoas daquele jeito. Após algumas semanas de
exibição, as pessoas mudaram de idéia e pensaram: 'Mas isso é muito
interessante'. E não invadimos a privacidade das pessoas 24 horas do
dia. Temos nossas regras e sabemos o que podemos e o que não podemos
fazer. Não passamos dos limites.
ÉPOCA - Como saber onde está o limite?
Schouwenaar - O conceito do que é aceitável em invasão de
privacidade varia um pouco de país para país, mas, no momento em que
um programa começa a machucar as pessoas, está passando dos limites.
Protegemos a vida dos participantes da maneira que podemos. Claro que não
completamente, pois se trata de um programa de televisão. Não me
lembro de nenhum país em que tenhamos enfrentado problemas em relação
à exposição excessiva dos participantes. Big Brother é, sim, um tipo
de voyeurismo, mas também um experimento sociológico.
ÉPOCA - Qual é sua avaliação do Big Brother, não como
um programa de TV, mas como o que o senhor chama de 'experimento sociológico'?
Schouwenaar - No programa se vêem todos os aspectos da vida
humana: bondade, ciúme, malícia... O público se identifica com os
participantes, torce por eles, gosta de alguns, odeia outros.
ÉPOCA - Mas, comparando os diversos BBs, não há características
que são específicas de cada país?
Schouwenaar - É difícil responder porque são todos humanos. Em
alguns países, as pessoas são mais extrovertidas que em outros. No
fundo, não há grandes diferenças entre o BB na Suíça, na Espanha,
no Brasil ou nos Estados Unidos. Não há de fato. Depois de três meses
confinados numa casa, a interação que surge entre os participantes é
praticamente a mesma no caso de 12 africanos, brasileiros ou belgas.
Claro que há casos pitorescos: o BB na Itália tinha 30 minutos a mais
que em outros países porque, confirmando o mito, eles falavam muito
mais que nos outros lugares. Na África, eram participantes de 12 países
diferentes e o sucesso foi continental. Vamos fazer em fevereiro um BB
no Oriente Médio, e não podemos deixar homens e mulheres juntos na
mesma casa. Eles podem se encontrar durante o dia, mas não podem dormir
na mesma casa. São algumas diferenças culturais que se destacam e dão
o delicioso toque local ao programa.
Em alguns países, as pessoas são mais extrovertidas que em outros.
No fundo, não há diferenças entre o BB na Suíça ou no Brasil. Mas
na Itália o BB tinha 30 minutos a mais porque eles falavam demais.'
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