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O novo dilema da Amazônia
A polêmica em torna da soja na Amazônia
Má sorte da soja! Se fosse humana, estaria sofrendo de
esquizofrenia aguda: ao mesmo tempo em que é a heroína das exportações
e da balança comercial brasileira, é a atual vilã do desmatamento no
"arco do fogo" no sul da Amazônia (além de alvo de controvérsia
no sul do país com a invasão transgênica). Mas, como uma inofensiva
vagem chinesa chegou a perturbar tanto o sono dos que pensam sobre o
futuro da Amazônia?
Na realidade, a razão é simples: a sociedade
brasileira e, em especial, seu governo ainda não decidiram o que querem
fazer na região. Enquanto o Ministério do Meio Ambiente fomenta a prática
do desenvolvimento sustentável, com a implicação de conservação de
boa parte da floresta, outros ministérios criam condições para que a
soja penetre na Amazônia. Existe investimento recente e planejado em
infra-estrutura de escoamento, energia e outros fatores essenciais ao
agronegócio - afinal de contas, esse modelo de produção tem dado bons
lucros para os que o adotaram.
Como argumentar contra esse sucesso econômico,
especialmente numa região com os menores índices de desenvolvimento
humano do país? Ao redor do mundo este paradoxo está sendo contestado
diariamente, pois o que está em jogo é o futuro. Não apenas o futuro
do próximo trimestre, em que lucros empresariais são contados, mas o
das próximas gerações, onde nossos filhos e netos terão de viver.
Crescem diariamente as evidências de que o atual modelo de
desenvolvimento convencional não é sustentável. No Brasil, por
exemplo, o desmatamento da Amazônia pode resultar na redução de
chuvas em áreas cultivadas mais ao sul.
"O
sucesso econômico da soja é incontestável. Mas qual será o
impacto desse cultivo no clima brasileiro?" |
Muitos ministérios criam as condições para este
caminho insustentável, às vezes intencionalmente, às vezes por omissão.
Enquanto isso, as empresas do agronegócio da soja avaliam sempre a relação
custo-benefício antes de atuar. Como o governo brasileiro não consegue
reduzir os custos do Brasil no Centro e Sudeste do país, mas cria condições
de escoamento ao norte (por exemplo, a hidrovia do Rio Madeira e,
possivelmente, a BR-163), é lógico que a soja vai se expandir em direção
à infra-estrutura mais conservada e moderna. Além disso, um esforço
de pesquisa, desenvolvimento e inovação tem transformado a soja em um
cultivo adaptado às condições do sul da Amazônia (e em breve até
mesmo às do centro da Amazônia). O resultado é o avanço da soja rumo
ao coração da floresta, e seu sucesso econômico é incontestável.
Mas se desmatamos grandes faixas da Amazônia para
plantar soja perto dos terminais de exportação, o que poderá
acontecer no resto do país? As florestas amazônicas fornecem algo
entre 20% e 40% da umidade que sustenta o clima do Brasil central, hoje
o celeiro nacional das exportações. A soja não é a única razão de
desmatamento na Amazônia, mas é a mais lucrativa atualmente, e já
podemos visualizar um futuro cada vez mais próximo em que a região
virará Cerrado. Os brasileiros que vivem no Cerrado hoje podem pensar
que isso não é um futuro ruim, mas o que aconteceria se o Cerrado
tivesse uma queda de 20% a 40% nas chuvas? Este futuro começa a se
assimilar ao do Sertão nordestino! Isto é sustentável para quem?
Este é o desafio: desenvolver a Amazônia de forma
sustentável para que o Brasil central continue a gozar de seu próprio
desenvolvimento. Somos um só país e precisamos de um governo unido em
retórica e prática para ter um futuro sustentável.
*Os artigos desta seção não representam
necessariamente a opinião da revista
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