Dez
tecnologias que se recusam a morrer
Eric Scigliano*
Technology Review
Em tecnologia, assim como na biologia, gostamos de imaginar a evolução
avançando para a frente e para o alto. Conforme surgem novas espécies e
tecnologias, seus ancestrais primitivos caem ao lado do caminho, certo? Não
exatamente. Os mamíferos, aves e plantas fluorescentes, que são inovações
relativamente recentes, parecem dominar a Terra hoje. Mas desenhos muito mais
antigos, desde moluscos até crocodilos, vão muito bem em seus respectivos
nichos, obrigado.
Nem sempre as novas espécies evoluem para substituir as antigas; elas também
preenchem nichos vazios, que por sua vez podem realmente solidificar a posição
de espécies mais antigas. O mesmo acontece com a tecnologia. O papel e os bytes
são o exemplo clássico. No início da década de 80, na aurora da era PC, o
armazenamento e a transmissão eletrônica em grandes volumes - discos flexíveis
de 360 kilobytes! Modems de 14 kilobits por segundo! - deveriam tornar o papel
supérfluo e deixar as florestas em paz. Ha! Os dados eletrônicos apenas
produziram mais cópias em papel. Escritores que costumavam marcar
cuidadosamente as correções em manuscritos passaram a imprimir uma versão
revisada depois da outra. Os internautas começaram a imprimir tudo o que
parecia interessante. Ter os dados na tela não impediu que as pessoas os
quisessem ler, compartilhar e armazenar em papel.
Assim como o papel, as dez tecnologias abaixo pareceram ultrapassadas em algum
momento, descartadas como um beco sem saída na supervia do progresso. Mas as
notícias de sua aposentadoria revelaram-se exageradas. Todas sobreviveram, e
algumas prosperaram em sua suposta obsolescência, não como artigos de culto
(tudo, desde mata-moscas até LPs, tem seus fãs e colecionadores), mas porque
preenchem necessidades reais, ao contrário de suas sucessoras mais
sofisticadas. Considere estes veneráveis sobreviventes a seguir.
Relógios de pulso analógicos
- Comparados com os relógios digitais de hoje, os relógios antiquados são patéticos.
Os usuários de relógios digitais podem verificar a temperatura, a altitude e a
hora em Tóquio, tocar músicas, jogar e enviar mensagens. Videoconferência,
surfar na web e ler tarô no relógio de pulso estarão muito distantes? Mas o
que os relógios digitais não podem fazer, segundo os defensores dos ponteiros
móveis, é mostrar o tempo e o contexto de maneira tão elegante e intuitiva
quanto um modelo analógico. As crianças muitas vezes começam com a parafernália
digital, depois evoluem para um de ponteiros, e depois finalmente, talvez,
dispensarão totalmente os eletrônicos e comprarão um relógio mecânico de
ponta, cujas vendas aumentaram drasticamente nos últimos anos. Afinal, como um
equipamento desempenha sua função essencial é mais importante que suas funções
extras.
Impressoras matriciais -
Houve um tempo, nos anos 80, em que o ruído da matriz de pontos era o som do
progresso. Hoje é apenas uma lembrança para a maioria dos usuários de PC, que
querem impressoras a jato de tinta ou laser para produzir fotos de família e
cartas em papel decorado. Mas, assim como os dinossauros evoluíram para pássaros,
segundo a teoria, a matriz de pontos recebeu um nome mais moderno ("impressão
por impacto") e sobreviveu como um utensílio industrial, mais que um
brinquedo de consumidor. Para firmas de contabilidade, bancos e farmácias com
grande volume de dados para imprimir (e para os quais a velocidade, a
confiabilidade e a economia realmente valem mais que a aparência), a impressão
matricial, quer dizer, por impacto, ainda funciona. Não é de admirar: as
impressoras de impacto atuais podem imprimir até 2 mil linhas por minuto, mais
de 500 mil páginas por mês, por menos de um quinto de centavo de dólar por página,
contra 1 centavo por página ou mais nas impressoras a jato de tinta e a laser.
A Epson ainda oferece 12 modelos, enquanto a Okidata anuncia 36.
Máquinas de escrever -
Essas impressoras de impacto originais parecem tão distantes quanto penas para
a geração criada com PCs. Mas elas também iludiram as expectativas: em 2002
os americanos compraram 434 mil processadores de texto e máquinas de escrever
eletrônicas, segundo a Associação de Produtos Eletrônicos de Consumo. Até
as máquinas manuais detêm seu nicho. Olympia e Olivetti ainda fabricam máquinas
clássicas. Considere as vantagens: não se pegam vírus, não há discos rígidos
ou software corrompidos, nem baterias que acabam. As máquinas de escrever fazem
uma coisa que os computadores não conseguem: preencher formulários impressos,
e são mais rápidas para endereçar envelopes e outras tarefas que geralmente não
exigem revisão. O afeto e o hábito também sustentam as antigas máquinas. Um
técnico em consertos de máquinas de escrever em Seattle diz que os escritores
mais velhos que "preferem a simplicidade e não querem aprender computação"
mantêm sua empresa. E você não precisa se preocupar que seu sistema se torne
obsoleto, se ele já é.
Rádio - Esse meio de
comunicação foi declarado morto depois que a televisão comercial invadiu a
cena no final dos anos 40. A TV roubou os principais programas do rádio, os
patrocinadores nacionais e o lugar central nas residências. Mas esse dinossauro
foi rapidamente reposicionado para explorar as mudanças sociais e tecnológicas
da década seguinte. A portabilidade era vital: transistores e carros
transformaram o rádio no meio de comunicação móvel de uma sociedade cada vez
mais móvel. Subúrbios, superestradas e um maior tempo de locomoção
ofereceram uma vasta audiência cativa. O mercado de massa da cultura jovem,
disc-jóqueis e mais tarde locutores-humoristas abriram novas franquias. Com a
TV roubando o mercado nacional e os jornais locais se multiplicando, o rádio
tornou-se uma mídia mais local, veiculando notícias locais, esportes, clima e
informações de tráfego. Hoje, a consolidação da propriedade e a programação
dirigida estão invertendo essa tendência; e os jogos na Internet por celular,
MP3 e mensagens instantâneas ameaçam a franquia do rádio como companheiro em
tempo real em qualquer lugar. Mas cuidado: o rádio já foi declarado obsoleto
antes.
Pagers - Os adolescentes
que transformaram esses equipamentos em acessórios de moda essenciais no início
dos anos 90 evoluíram para os telefones celulares, e até a RadioShack parou de
vendê-los. Mas as vendas de pagers aumentaram em 2002, ao contrário das
expectativas da indústria. Algumas instituições ainda dependem muito dos
pagers: departamentos de polícia, cujos oficiais geralmente estão com as mãos
e os cinturões cheios demais para telefones celulares; hospitais, onde os
sinais de celular interfeririam com equipamentos de diagnóstico; e escolas, que
não podem pagar com facilidade o serviço celular. E os pagers ainda superam os
celulares de certas maneiras. São mais baratos e não têm taxas de roaming.
Precisam de muito menos transmissores que os telefones celulares, mas ainda
oferecem maior cobertura, funcionando nos locais mortos entre as células. E os
pagers tendem a não travar nas emergências, como os celulares sobrecarregados.
Melhor de tudo, oferecem muito menor probabilidade de provocar um acidente de trânsito
ou transformar você num chato. E agora as mensagens de texto em duas vias os
tornam uma alternativa plausível para os telefones.
Gravadores de rolo - As
cassetes superaram os gravadores de rolo nas residências na década de 60;
agora as cassetes deram lugar aos gravadores e reprodutores de CD. Então
certamente a fita é tão defunta quanto o pássaro dodo? Não exatamente.
Muitos tamanhos de fita analógica, desde a de 0,63 centímetros de duas faixas
até a de 5 centímetros com 24 faixas ainda estão disponíveis. Alguns
engenheiros de gravação ainda preferem a fita, que segundo eles capta nuances
de som que mesmo os mais avançados gravadores digitais não conseguem, assim
como audiófilos ardorosos ainda preferem os discos de vinil tocados em
toca-discos de US$ 10 mil. E algumas firmas ainda oferecem gravadores de 1,27
centímetro e duas faixas. "O mercado está bastante estável", diz
Dan Palmer, ex-diretor de desenvolvimento de produtos na fabricante de ponta
Otari. "Arquivar" é o que faz os clientes comprarem toca-fitas para
transferir obras preciosas para meio digital.
Válvulas - Os audiófilos
sustentaram outra tecnologia que é ainda mais antiga que a fita magnética. Na
década de 70, os transistores compactos e eficazes prometiam substituir
totalmente as válvulas a vácuo. Mas os transistores não conseguiram
satisfazer alguns guitarristas e conhecedores de alta fidelidade. "Nós
usamos válvulas a vácuo porque elas têm um som bom", diz Victor
Tiscareno, um violinista experiente e vice-presidente de engenharia da Red Rose
Music, fabricante de sistemas de áudio doméstico de ponta. O som do transistor
de estado sólido com baixa distorção parece "maravilhoso num osciloscópio",
ele explica. "Mas o que medimos e o que ouvimos não são a mesma coisa. As
válvulas a vácuo têm um som mais humano, mais vivo." E depois de
Armagedom talvez ele sejam os últimos amplificadores restantes. Há rumores de
que o governo americano mantém válvulas de reserva caso os impulsos eletromagnéticos
apaguem todos os circuitos de comunicações vitais.
Aparelhos de fax - Com o
e-mail e os scanners quase universais, esses equipamentos incômodos deveriam
estar obsoletos: por que lidar com um papel emperrado ou sinais de ocupado? Mas
os consumidores americanos compraram mais de 2 milhões de aparelhos de fax em
2002. O fax ainda é a maneira mais rápida de transmitir imagens, documentos e
texto anotado em papel. Enquanto algumas ocupações (jornalismo) mudaram-se
quase totalmente para o e-mail, outras continuam presas ao fax. O setor imobiliário,
com ofertas sempre modificadas, contra-ofertas, cláusulas e garantias, ainda
depende dele. Os advogados também são grandes faxistas. O resto de nós sorri
e os usa quando precisa.
Computadores mainframe
-Esses grandes equipamentos que custam mais de US$ 1 milhão cada foram
considerados dinossauros com a chegada do PC. Mas a explosão das redes Windows
e servidores Unix obscureceram o fato de que bancos e outras instituições
ainda dependem de mainframes para processamento de dados em grande escala. E
eles apresentaram uma pequena recuperação no novo milênio: as vendas de
mainframes da IBM aumentaram em 2001 pela primeira vez desde 1989, e continuam a
crescer. Velocidade, segurança e confiabilidade também são motivos para isso:
a IBM afirma um índice de defeitos de uma vez em 30 anos para seu último
modelo, o z990.
Fortran - Quarenta e
sete anos depois de seu lançamento pela IBM, a linguagem de programação
original de "alto nível" Fortran ("formula translation", ou
tradução de fórmulas) poderia parecer o equivalente à linguagem cuneiforme
da era informática. Mas ainda é amplamente usada, especialmente na computação
científica. Por que essa veterana da era Eisenhower sobreviveu a tantas gerações
de hardware e software? "Em parte é a curva de aprendizado", disse
Hans Boehm, dos laboratórios Hewlett-Packard e ex-chefe do grupo de interesse
especial sobre linguagens de programação da Associação de Pesquisa de
Computação. "Para algumas pessoas ainda é boa, e é difícil abandonar
uma coisa depois que você a aprende." A adaptabilidade e a
compatibilidade, que tornaram a Fortran a língua franca dos programadores nos
anos 60 e 70, também são chaves de sua viabilidade. Grandes atualizações
aumentaram sua eficiência e acrescentaram características, enquanto
preservavam intactas as antigas versões. Assim, um grande número de programas
Fortran 77 testados convivem com a atual Fortran 90. Microsoft, cuidado!
(*)Eric Scigliano é autor de ciência e tecnologia baseado em Seattle,
Washington
Tradução: Luiz Roberto Mendes
Gonçalves