Minha família faliu
por Rosana Caiado
Eles já tiveram tudo do bom e do melhor: mesa farta, casa de veraneio e carro
importado. Até que um dia, infelizmente, a fonte secou e foi decretada a falência
familiar. Não há dúvidas de que assistir à vida mudar do vinho para a água
é assustador. Mas fazer cara feia (ou corpo mole) não adianta muita coisa
quando o barco – no caso, seu lar doce lar – está afundando. O jeito é
sacudir a poeira, tentar se adaptar a nova realidade e ir à luta para, quem
sabe?, ver a cor do dinheiro novamente.
Nos últimos anos, a crise fez várias famílias de vítima. Todo mundo
conhece alguém que tenha se dado mal num dos vários planos econômicos do país.
É o caso de Fabrício de Andrade, que viu a empresa do pai à beira da falência.
“O mercado estava muito parado e os lucros da fábrica foram se reduzindo
aos poucos. Chegou a um ponto em que tivemos que vender o carro, depois o
apartamento. No final das contas, o padrão de vida desceu muito, nada de
viagens e almoços em restaurantes”, conta. Na hora de apertar o cinto,
acontece de os filhos se revoltarem contra a família, mas Fabrício afirma
que não se indispôs com o pai em nenhum momento. “Procurei ficar do lado
dele, dar força. Só foi complicado, porque ele ficou arredio, deprimido, e
eu acabava ficando triste por vê-lo daquele jeito. Atualmente, a fábrica deu
uma respirada e os negócios melhoraram. Ainda bem!”, comemora ele.
Enfrentar períodos de grana curta, pode significar um grande amadurecimento.
“Quando eu era mais nova, tinha todas as bonecas da moda, comprava minhas
roupinhas em lojas de grife. A gente tinha casa de praia, dois apartamentos
alugados e três carros na garagem”, lembra Fernanda Poll, estudante. Até
hoje, o assunto é proibido nos almoços de família, de modo que ela não
sabe explicar direito como o pai perdeu tudo. “O clima ficou pesado lá em
casa e só me dei conta do que estava acontecendo quando todas as minhas
amigas marcaram viagem para a Europa e eu fiquei de fora”, recorda Fernanda.
A família teve que vender tudo e o padrão de vida nunca mais foi o mesmo.
“Minha mãe passou a costurar as minhas roupas e tive que sair do curso de
francês. Acabou o luxo. Pelo menos, deixei de ser aquela menininha fútil e
mimada”, comenta. Ela confessa que era muito infantil e culpava o pai pela
crise financeira em brigas homéricas. “Me arrependo por ter feito isso,
porque ninguém perde dinheiro de propósito. Na época, meu pai ficava tão
nervoso que quase infartou”, lembra. Hoje em dia, a situação da família
é difícil, porém estável. Fernanda conseguiu uma bolsa de estudos na
faculdade e faz freelances como tradutora para tirar um dinheiro extra. “É
assim que garanto o chope do fim de semana”, conta ela.
Quando a situação está preta, é duro enxergar uma luz no fim do túnel.
Mas até as piores crises podem ter final feliz. Sem desanimar, Juliana Brito
viu a família descer ladeira abaixo. “Meu pai sempre foi um grande jogador.
Enquanto era só no baralho, tudo bem. A coisa ficou feia a partir do momento
em que ele passou a jogar na Bolsa de Valores”, conta. No entanto, os
investimentos deram errado e eles entraram no vermelho da noite para o dia.
“Foi um período difícil. Graças a Deus, eu tinha acabado de me formar,
mas não tinha emprego ainda”, diz Juliana. Com o diploma de Direito nas mãos,
ela sentou o traseiro na cadeira, sem grana para nada, e só levantou quando
passou em um concurso público. “Assim que passei, não tinha sequer um
tailleur para ir trabalhar. Tive que pedir emprestado! Quando o salário
entrou, eu tava precisando de tanta coisa que não sabia o que comprar
primeiro”, afirma. Ela garante que hoje em dia ganha o suficiente para levar
a vida que sempre quis, e ainda separa um pouco para ajudar a família. “Já
comprei meu apartamento e ajudo meus pais todo mês, pagando o plano de saúde
e mais o que eles precisarem”, revela. Sobre o passado difícil, ela diz que
foi um tremendo aprendizado. “Só quem passa por um aperto desses dá valor
às pequenas coisas do dia-a-dia, e principalmente, aos laços de família.
Eles me sustentaram com todo esforço e agora é a minha vez de retribuir”,
explica.
Em momentos de crise financeira, a falta de compreensão familiar pode agravar
ainda mais a situação. A psicóloga Vera Soumar diz que o diálogo é
fundamental. “Nossa sociedade ainda delega ao homem o papel de provedor. Por
isso, ele fica tão deprimido quando a situação aperta. Nessas horas, o diálogo
pode ajudar muito. O pai deve dividir suas preocupações com a mulher e, se
possível, com os filhos”, explica. Segundo a psicóloga, é importante
explicar às crianças que os pais estão se esforçando ao máximo para
superar a má fase. “Se há união familiar, fica bem mais fácil dar a
volta por cima”, acredita ela. Vera revela também que o papel da família
é apoiar. Se, ao contrário, há revolta, o problema de dinheiro é agravado.
“Sem a confiança dos mais próximos, a auto-estima vai embora e superar a
crise vira tarefa quase impossível”, conclui. Quando os bolsos estão
vazios e os cobradores fazem fila na porta, cabe à família fazer um
pagamento à vista: de amor. Além disso, suaves prestações de respeito e
compreensão caem muito bem até a situação se acalmar.
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