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Usuários mudam sua vida no Second
Life
Seth Kugel
Do terraço localizado no topo da casa em
estilo mexicano de Sherman Ochs, plantada no alto de uma colina, é
possível avistar toda a ilha de Jalisco, com sua população de 20
pessoas. Trata-se de um lugar pitoresco, enfeitado por palmeiras,
gramados verdejantes e céus azuis quase sem nuvens. Há, também, a areia
branca imaculada que cerca a lagoa, onde os moradores enfileiram seus
corpos torneados e nus em um trenzinho de conga.
Não é um panorama real, claro. Ochs é Don Ainsworth, 57 anos, um
professor de música aposentado que vive em Ventura, na Califórnia, e a
ilha de Jalisco é um sim (de simulador), um terreno no mundo virtual
Second Life, introduzido em 2003 pela Linden Lab, uma empresa de San
Francisco.
Mas não se pode dizer que a paisagem seja totalmente falsa. A vida em
Jalisco, onde visitas aos vizinhos são freqüentes, apresenta semelhança
considerável com uma comunidade real. E muitos dos moradores sabem quem
são os seus vizinhos, na vida real, e ocasionalmente conversam com eles
usando telefonia via Internet, enquanto operam seus avatares no mundo
virtual.
As centenas de milhares de usuários podem viajar instantaneamente a
qualquer parte do território virtual, se transformar em dragões e
alterar radicalmente sua aparência com alguns cliques de mouse. Eles
construíram cidades, criaram linhas de roupas e programaram seus
avatares - os personagens que os representam no espaço tridimensional do
Second Life - para cavalgar, dançar e fazer sexo.
Mas em uma cidade na qual os moradores podem fazer praticamente
qualquer coisa, muitos deles agora parecem estar interessados em
atividades mais prosaicas. Depois de alguns meses dançando toda noite,
espalhando suas sementes virtuais e simulando personagens de "O Senhor
dos Anéis", eles agora estão se assentando: constroem casas virtuais,
plantam jardins, compram mobília e bens eletrônicos, cuidam da
decoração. No Second Life, a criação de casas de faz-de-conta se tornou
atividade cada vez mais séria.
A Linden Lab não mantém registros sobre o número de casas construídas
nos mais de 12 mil sims do Second Life, ou sobre o número de usuários
que têm casas e vivem nelas, mas é certo que esteja na casa dos
milhares, de acordo com Catherine Smith, porta-voz da empresa.
É difícil saber exatamente quantos usuários o site tem, já que
múltiplas contas são possíveis, mas os registros da Linden Lab
demonstram que 8,6 milhões de contas já foram criadas, das quais 1,6
milhão mostraram atividades nos dois últimos meses. Em qualquer dado
momento, costuma haver entre 20 mil e 50 mil usuários ativos no site.
"Fincar raízes é realmente importante, para muitos dos usuários do
Second Life", diz Smith.
Para alguns, essas casas online representam fantasias arquitetônicas.
De fato, o Second Life oferece agora uma revista própria de design
residencial, a "Prim Perfect", publicada por um dos membros, que mostra
algumas das mais sofisticadas residências do mundo virtual. Mas para
muitos dos demais usuários, como a maioria dos moradores de Jalisco (a
ilha foi batizada em homenagem ao Estado mexicano), uma casa é acima de
tudo um lugar onde relaxar, receber amigos e conduzir experiências de
decoração.
Foi em junho que o avatar de Ainsworth, uma imagem que ostenta cabelo
loiro revolto e pêlos peitorais saltando entre os botões sempre abertos
de uma camisa havaiana, decidiu comprar uma "casa", depois de meses
vadiando pelo site. "Eu estava só me divertindo no Second Life", contou
Ochs em entrevista a DonCamilo Rodenberger, o avatar usado por este
repórter, que se identificou como jornalista do New York Times
para os entrevistados. "Eu não estava interessado em ter uma casa por
aqui. Mas, depois de algum tempo, a idéia começou a me atrair".
O Second Life oferece regiões muito diversas aos interessados em
"imóveis", entre as quais o sim Aksha Caves, localizado em um deserto
árido ocupado por casas de luxo, propriedade de Anshe Chung, uma
incorporadora imobiliária de sucesso. (Chung é o avatar usado por Ailin
Graef, uma empresária nascida na China que foi celebrada por ser a
primeira pessoa a ganhar US$ 1 milhão em dinheiro real com seus negócios
no Second Life), ou o sim Venice, baseada frouxamente na Veneza real, do
qual uma escapada rápida à Toscana rural está apenas a um sim de
distância (geografia não é um ponte forte entre os usuários). Há mais de
nove mil sims em forma de ilha, como o Jalisco, e milhares de outros
localizados em alguns imensos continentes.
Mas Jalisco era o lugar ideal para Ainsworth, que fez amizade há
muito tempo com a criadora da ilha, Rooby Begonia, um avatar muitas
vezes vestido sumariamente. "A comunidade e as amizades me convenceram",
disse Ainsworth, que revelou na entrevista virtual que passa quatro
horas por noite no site, em lugar de assistir TV. "São pessoas
elegantes, amistosas", acrescentou. "A maior parte dos imóveis do Second
Life são repetitivos. Mas este lugar tem estilo".
Em parte isso se deve às normas firmes de zoneamento impostas np
"contrato" da ilha, sob as quais o tema mexicano precisa ser mantido no
projeto de todas as construções; outro motivo para o estilo de Jalisco é
a imensa atenção que o sim e seus moradores recebem de Rooby, ou melhor,
de sua criadora, Brenda Beach. Beach, 46, é dona de casa, em Issaquah,
Nova Jersey, e seus filhos já deixaram o lar. Ela dedica entre quatro e
oito horas diárias ao Second Life. Além de seus projetos imobiliários na
ilha ¿ela pagou US$ 1,2 mil à Linden Lab pelo "terreno" -, ela funciona
como prefeita e diretora de turismo, aplicando as normas e atraindo os
moradores a um contato social intenso. Em muitos casos, ela os ajuda a
construir e decorar suas casas, sem cobrar nada.
Beach cobra cerca de US$ 55 mil Linden, ou lindens, o equivalente a
US$ 200, por um terreno em Jalisco. As taxas de condomínio do Second
Life acrescentam mais US$ 24 a US$ 40 ao mês. (Os lindens podem ser
convertidos em dólares nos mercados online, e existem até caixas
automáticos. A taxa de câmbio, que varia de acordo com as forças de
mercado, no momento é de 275 lindens por dólar.)
A sala de Ainsworth é impecável, decorada com mobília ao estilo
colonial mexicano fornecida pela Town & Country Furnishings, uma loja
que fica no sim Doesburg, dedicado majoritariamente ao comércio.
Ainsworth "construiu" sozinho a lareira de adobe, em cerca de uma hora,
conta. (Sua casa real, em Ventura, diz, é decorada com "coisas de latão
e vidro do final dos anos 80".)
Mas a parte mais impressionante da casa é o exterior: três terraços,
com banheira de água quente, pista de dança e bar. Como a maioria das
pistas de dança do Second Life, a de Ainsworth dispõe de "bolas de
dança", esferas flutuantes que os usuários podem clicar para fazer com
que os avatares dancem. Ninguém dança mal, no mundo virtual.
The New York Times
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