Museu reúne objetos de "dor de cotovelo"
O que um machado, um par de algemas com aros cor
de rosa, um ursinho de pelúcia e um vestido de noiva têm em comum?
São todos parte de uma exposição itinerante que chegou a Berlim para
mostrar relacionamentos desfeitos. No empoeirado piso superior de um
antigo edifício residencial, no centro de Berlim, a coleção cresce a
cada semana. À primeira vista, parece que alguém está acumulando
restos de um mercado de pulgas. Uma bicicleta pende de uma parede,
enquanto anéis, ursos de pelúcia, meias, algemas cor de rosa e
diversos ornamentos estão em exposição.
Mas o lixo, por mais indesejado que seja, não representa detritos
sem significado. Cada um dos objetos, muitos dos quais humildes, no
passado esteve repleto de significado para alguém. Eles representam
os restos de casos de amor que deram errado. Os objetos pertencem ao
Museu de Relacionamentos Rompidos, uma exposição itinerante que
solicita aos moradores das cidades que visita doações de qualquer
tipo de objeto evocativo, de paqueras passageiras a divórcios
desastrosos.
Criada na Croácia, a exposição depois disso passou por Sarajevo,
Maribor e Liubliana, e já reúne mais de 200 objetos. Zvonimir
Dobrovic responde pela passagem da exposição por Berlim, no Centro
Tacheles de Arte, instalada em um edifício de seis andares antes
ocupado por invasores de apartamentos, no coração da cidade. "Os
berlinenses já doaram 20 objetos novos", diz ele. Entre os quais um
vestido de noiva e o machado que um sujeito usou para destruir a
mobília da ex-namorada.
Dobrovic explica que a origem da idéia veio da separação de dois
artistas de Zagreb, Olinka Vistica e Drazen Grubisic, que estavam
interessados em fazer alguma coisa criativa com os vestígios de seu
relacionamento. "Eles reuniram alguns objetos, e solicitaram
contribuições dos amigos", explica. "A imprensa se interessou e as
pessoas começaram a doar outros itens". Em breve os artistas tinham
um trailer repleto de objetos e o Museu de Relacionamentos Rompidos
surgiu.
"Desenvolvemos a idéia do museu, no qual poderíamos guardar os
objetos, e ao mesmo tempo nos livrar deles, quebrando a conexão com
aquela energia negativa mas preservando-os do esquecimento", disse
Vistica à agência de notícias Reuters.
E a exposição tem por objetivo funcionar como uma espécie de
terapia, de modo que em lugar de destruir objetos, eles podem ser
levados ao museu para "convalescer", e depois participar da
"história emocional coletiva". Talvez o sucesso da exposição revele
até que ponto o tema do amor perdido é universal. "Quanto mais
pessoal, maior o sucesso", disse Vistica à Reuters. "A respostas das
pessoas é prova disso. Elas reconheceram a sinceridade da idéia".
Os artistas também operam um site onde os desiludidos podem
armazenar mensagens de texto, fotos e e-mails por prazos de três
meses a quatro anos e, se assim quiserem, compartilhar com o mundo
dessas fatídicas comunicações. Quanto aos objetos, depois de Berlim
eles irão a Belgrado, Skopje e Estocolmo, e há plano para expandir o
alcance da exposição para o mundo, com mostras em Tóquio, Nova York
e São Paulo.
O efeito catártico fica evidente em algumas das explicações que
acompanham os objetos expostos. A perna protética de um veterano de
guerra que se apaixonou pela assistente social que o atendia é
descrita como "mais duradouro que o nosso amor. O material era
melhor". Há uma caneta, "usada para escrever bobagens românticas que
ele não merecia".
Mas nem tudo é desânimo: um apaixonado virtual de Sarajevo
ofereceu à exposição a cueca que ganhou da namorada online a quem
jamais conheceu em pessoa - "e por isso ela jamais foi despida".
Confira abaixo alguns dos depoimentos que acompanham os
objetos:
Berlim, 1995: "Ela foi a primeira mulher que morou comigo.
Meus amigos achavam que eu precisava me abrir mais com as pessoas.
Depois de alguns meses, tive a oportunidade de viajar aos EUA. Ela
não quis ir. Choramos no aeroporto, na despedida. Quando voltei,
três semanas depois, ela disse que tinha se apaixonado por uma
mulher: "Só a conheço há quatro dias, mas sei que ela pode me dar
tudo que você não pode". Eu a expulsei do apartamento. Ela saiu em
férias com a namorada nova, mas a mobília dela ficou. Eu não sabia o
que fazer com minha raiva, e por isso comprei este machado, para
descarregar meu mau humor e fazer com que ela sentisse pelo menos
alguma perda. Comecei a destruir uma peça de mobília dela por dia, a
machadadas. Ela voltou duas semanas depois para apanhar os móveis.
Estavam todos organizados, na forma de pilhas de madeira".
Berlim, 1994/7: "Nós nos casamos na Grécia e no Japão,
quando tínhamos pouco mais de 20 anos. Usei este vestido de noiva em
20 de agosto de 1994, em Kavala, Grécia. Nosso objetivo era um lar
feliz e muitos filhos, mas a mãe natureza não ajudou. Para ele, era
importante ser pai. A impaciência venceu".
Liubliana, 2001/6: "Dei a cafeteira para ele porque ele a
queria muito. Mas ele logo percebeu que não era perfeita, porque
sempre derramava café na mesa ao servir. E eu logo percebi que eu
tampouco era perfeita para ele; meu amor imperfeito foi derramado em
excesso, e desapareceu. Por raiva, ele deixou todas as coisas que eu
tinha dado a ele na porta da minha casa, entre elas a cafeteira. De
vez em quando preparo café nela, e me lembro dele. Usei a máquina
para fazer café para ele quando me visitou, uma vez. Quero romper
esse círculo vicioso, e por isso decidi doá-la ao museu".
Zagreb, 1990/2001: "Eu decidi que a deixaria em um dia de
sol escaldante, em pleno verão. Pensei que ir embora a pé ou de
bonde seria incrivelmente estúpido, e por isso parti de bicicleta.
De qualquer jeito, é sempre bom ter um meio de transporte para sair
de um relacionamento".
Tradução: Paulo Eduardo Migliacci ME