Uma executiva que nada sabia de RH
recebeu a missão de frear a debandada de
talentos. Não é que deu certo?
O sonho de trabalhar na Microsoft já
foi uma unanimidade entre profissionais
nos Estados Unidos. Uma multidão de mais
de 10 000 funcionários ganhou milhões de
dólares com as opções de ações em sua
extraordinária abertura de capital nos
anos 80. Mais recentemente, no entanto,
a empresa perdeu grande parte de seu
antigo charme -- sobretudo no quesito
desempenho em bolsa. Em 2005, numa das
mais vultosas quedas dos últimos anos,
as mesmas ações que haviam enriquecido
os executivos da Microsoft voltaram ao
patamar em que estavam sete anos atrás.
Com faturamento de 51 bilhões de dólares
no ano fiscal concluído em junho, a
Microsoft também acabou se tornando mais
lenta e burocrática. Sem diversão, sem
desafios, sem autonomia e sem incentivo
financeiro fica difícil segurar os
empregados. A taxa de rotatividade de
funcionários cresceu de 6,7% em 2002
para um pico de 10% em 2005. Até altos
executivos começaram a procurar outras
companhias mais ágeis -- um exemplo foi
Kai-Fu Lee, ex-vice-presidente da
Microsoft que migrou para o Google em
2005. Num final de tarde, em abril
daquele ano, o presidente mundial da
Microsoft, Steve Ballmer, tomou uma
atitude inesperada. Ele entrou na sala
da gerente de produtos Lisa Brummel, que
havia passado as últimas duas décadas na
área de engenharia da empresa, e, ao
longo de 2 horas, tentou convencê-la de
que ela deveria assumir a
vice-presidência de recursos humanos.
"Logo recusei, mas ele tinha tanta
certeza de que eu era a pessoa certa que
resolvi encarar", disse Lisa a EXAME.
Lisa chegou ao cargo sem nunca ter
pisado na área de RH -- e com a missão
declarada de reaproximar a Microsoft de
seus mais de 78 000 funcionários em todo
o mundo. A empresa que sempre se
beneficiara de rupturas tecnológicas
para se tornar competitiva precisava de
uma ruptura cultural. Lisa passou seu
primeiro ano peregrinando uma vez por
semana pela sede, em Redmond, no estado
de Washington, para ouvir o que os
funcionários tinham a dizer. Também
começou a visitar blogs como o popular
Mini-Microsoft -- criado por um
funcionário anônimo e hoje um dos
principais fóruns de discussão sobre a
vida na companhia -- para entender as
causas do descontentamento.
Após tantas andanças, ela descobriu
que a empresa estava perdendo a
atratividade sobretudo entre os mais
jovens (veja quadro). Trata-se de um
grupo que, nos Estados Unidos, passou a
ser conhecido como geração Y, composta
de 70 milhões de americanos entre 18 e
30 anos. Para a Microsoft, em que 82%
dos funcionários têm mais de 30 anos,
eles ainda são minoria absoluta. Mas
Lisa, de 47 anos, sabia que a principal
fragilidade da companhia num futuro
próximo estava entre os profissionais
mais novos. "Eles são ambiciosos,
atentos à qualidade de vida e não se
imaginam muito tempo dentro de uma
empresa que não tenha nada a lhes
acrescentar", afirma. Para garantir que
a Microsoft acompanhasse o espírito da
nova geração, ela constituiu um grupo de
dez jovens conselheiros logo após
assumir o cargo -- todos em início de
carreira.
UMA DAS PRIMEIRAS MUDANÇAS foi a
alteração do sistema de feedback. Por
sugestão dos funcionários, agora os
colegas opinam sobre o desempenho uns
dos outros (antes a tarefa cabia apenas
às chefias). A Microsoft também começou
a investir em dois conceitos que fazem
parte do cotidiano dos jovens:
mobilidade e flexibilidade. A própria
Lisa já é adepta do trabalho remoto.
"Chego em casa antes das 6 e meia da
tarde, mas estou sempre conectada. Se
for só para checar e-mails, faço isso de
casa", diz. Ela também está criando um
novo ambiente físico na Microsoft --
escritórios moldados segundo o "humor"
do grupo. Com paredes móveis, o mesmo
espaço pode criar salas individuais ou
reunir toda a equipe sem divisórias. A
nova cultura já é sentida até pelo
fundador da Microsoft, Bill Gates. "As
expectativas de comunicação que os
jovens trazem para o ambiente de
trabalho estão alterando a forma como
fazemos negócio. Para eles, uma mesa com
telefone é um anacronismo que impede a
flexibilidade que seus aparelhos móveis
oferecem", escreveu Gates num e-mail
enviado a funcionários em outubro.
A característica mais difícil de
contornar é a infidelidade da nova
geração. Ao contrário dos antigos
funcionários, que projetavam toda a
carreira numa mesma empresa, os novos
empregados traçam objetivos de curto
prazo. Um estudo da consultoria
americana Rainmaker Thinking revelou que
56% dos profissionais da geração Y
esperam ser promovidos dentro de um ano.
Por isso, Lisa decidiu tornar mais
transparente e objetivo o planejamento
de carreira. Agora existe um mapeamento
de todos os cargos indicando as
habilidades necessárias para ocupá-los.
Com essas informações, cada funcionário
passa por duas reuniões anuais com o
departamento de RH para discutir suas
perspectivas para os próximos cinco anos
e identificar o que fazer para alcançar
a posição desejada.
Os funcionários mandam mais
As três grandes mudanças de Lisa
Brummel
FEEDBACK
ANTES Os profissionais eram
avaliados apenas por seus chefes
AGORA Os colegas também opinam
sobre o desempenho uns dos outros
NOVOS NEGÓCIOS
ANTES Quem tinha boas idéias
saía da empresa para montar o próprio
negócio
AGORA A empresa criou uma
“agência de idéias”para financiar esses
projetos
PLANO DE CARREIRA
ANTES Não havia informação
suficiente sobre as possibilidades de
crescimento
AGORA Todos possuem um plano
para os próximos cinco anos
Fonte: empresa
Lisa também se preocupou em criar uma
estratégia para segurar profissionais
com ambição de se tornar empreendedores
-- um sonho dessa geração. "A maioria
dos novos profissionais afirma que, em
algum momento, vai deixar o atual
trabalho para tocar o próprio negócio",
afirma Bea Fields, uma das autoras do
recém-publicado livro Millennial Leaders:
Success Stories from Today´s Most
Brilliant Generation Y Leaders (algo
como Líderes do milênio: histórias de
sucesso dos mais brilhantes líderes da
geração Y). A saída foi criar uma
agência de idéias, em que um comitê de
engenheiros da companhia avalia a
viabilidade de novos projetos. Quem
tiver em mente um novo produto ou um
novo negócio pode receber um
financiamento da Microsoft para
concretizá-lo sem precisar sair da
empresa. "É como se fôssemos uma agência
de venture capital", diz Lisa. Nos dois
anos e meio em que Lisa está no comando
do RH, a taxa de rotatividade caiu para
8,3% -- quase dois pontos percentuais.
Agora, as novas diretrizes estão se
difundindo pelas 120 subsidiárias da
Microsoft no mundo. O Brasil, por
exemplo, já adotou o novo estilo de
feedback e de plano de carreira. A
tacada inesperada de Ballmer parece ter
dado certo.