Quem quer que tenha passado alguns minutos lendo blogs de tecnologia ou conversando em bares nas duas últimas semanas provavelmente ouviu falar do Mail Goggles, um novo recurso do serviço Gmail, do Google, que tem por objetivo pôr fim a um flagelo que pouca gente conhecia: o envio de e-mails por pessoas embriagadas no meio da madrugada.
O programa experimental requer que qualquer usuário que habilite a função resolva cinco problemas simples de matemática em 60 segundos, nos horários entre as 22h e as 4h, em finais de semana. O período aparentemente corresponde ao intervalo entre o coquetel número um e o coquetel número quatro, aquele momento em que enviar uma mensagem de e-mail a um "ex" ou a um colega de trabalho talvez equivalha a fazer bungee jump sem a corda.
O Mail Goggles não é o primeiro caso de uma tecnologia projetada para impedir que pessoas coloquem a si mesmas ou a outros em risco ao usarem de forma irresponsável a maquinaria comum da vida cotidiana depois de beber algumas doses. Há anos os juízes ordenam que as pessoas condenadas por dirigir embriagadas instalem bafômetros computadorizados conectados à ignição de seus carros, a fim de impedi-las de acionar os veículos quando estiverem bêbadas.
Mas como primeiro posto de verificação da sobriedade naquilo que um dia foi conhecido como "superhighway da informação", o programa Mail Goggles também suscita uma questão mais ampla: em uma era na qual parte tão grande de nossa comunicação rotineira é realizada por meio de mensagens digitadas, será que estamos tão presos aos nosso teclados que realmente precisamos do equivalente digital às trancas de gatilho que equipam algumas armas de fogo?
Em entrevistas com pessoas que confessam beber e digitar ao mesmo tempo -ocasionalmente com conseqüências lamentáveis -, a resposta parece ser positiva.
Jim David, comediante que vive em Manhattan, diz que gostaria de dispor do Mail Goggles certa noite em que estava "chumbado" e enviou uma mensagem de e-mail a uma organização religiosa declarando algo como "vocês são diretamente responsáveis pelos ataques a gays em toda parte", ele relembra em mensagem de e-mail.
"Recebi uma resposta do departamento jurídico da organização, que desejava saber exatamente como eu sabia que eles eram os responsáveis, e alegava que minhas acusações eram graves e em breve poderia receber um telefonema do FBI", conta David. "Eu apaguei a mensagem correndo e tomei um remédio contra a ressaca".
A verdade é que o Mail Goggles mesmo nasceu de uma situação embaraçosa. Um engenheiro do Gmail chamado Jon Perlow criou o programa depois de enviar algumas missivas noturnas lastimáveis, entre as quais um apelo a uma ex-namorada para que ela voltasse, ele escreveu no blog do Gmail. "Infelizmente, todos nós passamos por isso", diz Jeremy Bailenson, diretor do Laboratório de Interação Virtual Humana da Universidade de Stanford. Os telefonemas feitos sob a influência do álcool talvez sejam tão antigos quanto o telefone, ele diz, mas agora o abismo fica muito mais próximo, em uma era na qual tanta gente carrega organizadores pessoais que abrigam centenas de informações de contato - entre as quais clientes, adversários no trabalho e chefes - e os têm consigo a toda hora, mesmo em bares e festas.
E as mensagens de e-mail podem ser especialmente poderosas, porque constituem o que os cientistas sociais definem como comunicação "assíncrona", o que significa que o diálogo não acontece em tempo real, ao contrário de conversas pessoais ou telefônicas. As pessoas podem responder a mensagens de trabalho recebidas por e-mail horas depois que deixam o escritório - uma idéia arriscada caso elas decidam se conectar depois de um happy hour alcoólico.
O atraso na resposta significa que as pessoas têm tempo suficiente para formular uma resposta com o máximo impacto, ele disse. "Se você passa oito horas no bar pensando em tudo de pior que possa dizer a alguém, a situação pode se tornar singularmente destrutiva", diz Bailenson.
A comunicação via texto e o álcool são uma mistura poderosa em parte porque as pessoas já tendem a ser mais francas online do que são no contato pessoal, mesmo antes que percam suas inibições por força da bebida, diz Lee Rainie, diretor do Pew Internet & American Life Project.
"As pesquisas sugerem que, para algumas pessoas, o uso de computadores ou outros aparelhos gera uma distância emocional quanto à pessoa a que estão se dirigindo", afirmou Rainie em mensagem de e-mail. A distância, em outras palavras, pode gerar uma sensação de segurança - os flertes se tornam mais ostensivos, e os insultos mais insultuosos.
Foi essa segunda hipótese que se confirmou no caso de um produtor musical de Manhattan, que recorda um incidente envolvendo uma mensagem de texto enviada durante uma viagem (alcoólica) recente à faculdade em que o produtor, de 23 anos, se formou. Ele prefere que seu nome não seja divulgado, mas conta que se embriagou e saiu com uma aluna, e a acompanhou a seu apartamento. Mas, sentado na cozinha da moça às quatro da manhã, ele começou a se arrepender. Por isso, enviou uma mensagem de texto ao iPhone de um amigo: "Eca, Saratoga, o que foi que me deu? Eu certamt. posso fazer melhor que isso. Você pode vir com meu carro e me tirar daqui?"
Segundos mais tarde, o celular dele acusou o recebimento de uma mensagem: ele havia enviado a mensagem por engano para a moça daquela noite, e não para o amigo.
Meses mais tarde, depois de mais alguns desastres românticos envolvendo a companheira daquela noite, "nós tivemos uma longa conversa e pedi desculpas", ele conta. "Agora escrevo canções sobre levar uma vida regrada".
Tradução: Paulo Migliacci ME