Sarah Kershaw
Eles passaram anos vivendo o terror solitário de feixes de
luz que causavam dores de cabeça lancinantes, uma tecnologia que
permitia tomar o controle de suas mentes e corpos. Temiam os
perseguidores, pessoas cujas vozes gritavam para eles das
paredes ou de dentro de suas cabeças, dizendo que "nós o
encontramos" e "queremos que você morra".
Quando pessoas que acreditam nessas coisas falavam sobre elas
à polícia, aos seus médicos ou aos seus familiares, contam que
muitas vezes a reação de quem ouvia era dizer que elas eram
malucas. Ocasionalmente terminavam medicadas ou confinadas em
hospitais, demitidas de empregos e isoladas do mundo exterior.
Mas quando passaram a usar a
Internet para descobrir umas às outras, tudo mudou, porque
grande número de pessoas compartilhava das mesmas experiências.
Se você digitar termos como "mind control" (controle da
mente) ou "gang stalking" (perseguição por gangues) no Google,
descobrirá
sites que falam de perseguição tanto física quanto
psicológica, em episódios relatados nos mesmos minuciosos
detalhes ¿ vítimas seguidas por carros brancos ou vermelhos,
vandalismo contra suas casas, olhares zombeteiros por parte das
pessoas que os cercam.
Identificados por alguns psicólogos e psiquiatras como parte
de uma "comunidade extrema" na Internet que parece encorajar a
crença em ilusões, número crescente desses sites reporta
histórias de pessoas que se declaram vítimas de controle mental
e de perseguição por gangues de agentes do governo. Os sites vêm
causando preocupação entre os profissionais de saúde mental e
atraíram o interesse de pesquisadores psicológicos e
psiquiátricos.
Ainda que muitos grupos de Internet que oferecem apoio de
pessoas que vivem ou viveram problemas semelhantes aos de um
indivíduo sejam considerados benéficos para as pessoas
mentalmente enfermas, alguns especialistas dizem que os sites
que amplificam os relatos de controle mental e de perseguição
representam um lado sombrio das
redes sociais. Eles podem reforçar os distúrbios no
pensamento das pessoas que sofrem de doenças mentais, e
dificultar o tratamento.
O Dr. Ralph Hoffman, professor de psiquiatria na Universidade
de Yale que estuda essas ilusões, diz que crescente número das
pessoas que pesquisa o informaram que visitaram sites de
controle mental, e encontraram neles confirmação para suas
experiências pessoais. "As opiniões desses sistemas de crenças
são como um tubarão que precisa ser alimentado constantemente",
disse Hoffman. "Caso você não alimente a ilusão, cedo ou tarde
ela morrerá ou se reduzirá por conta própria. Um fator essencial
é que ela precisa ser reforçada por repetição".
É isso que fazem esses sites, ele disse. Preocupações
semelhantes surgiram sobre a proliferação de sites que ensinam
como cometer suicídio, e outros que promovem a anorexia e a
bulimia, oferecendo instruções detalhadas sobre como restringir
a alimentação e fotos de mulheres esqueléticas que têm por
objetivo "inspirar magreza".
Para as pessoas que regularmente visitam e escrevem nos
fóruns de discussão de sites de controle mental, a idéia de que
haja quem os descreva como locais em que pensamento psicótico e
iludido é promovido representa prova de que a verdade está sendo
encoberta. "Foi um grande alívio encontrar essa comunidade",
disse Derrick Robinson, 55, zelador em Cincinnati e presidente
de uma organização que promove a "liberdade contra assédio e
vigilância ocultos", com centenas de visitantes regulares em seu
site. "Eu imaginava que talvez existissem outras pessoas na
mesma situação, mas não estava realmente certo até encontrar
essa comunidade", disse Robinson.
Não existe pesquisa concisa sobre os sites que falam de
controle mental ou de perseguições por gangues ¿ aqueles cujos
usuários acreditam que grupos de outras pessoas os estejam
seguindo ou controlando, como parte de uma experiência com armas
neurológicas ou de outra espécie conduzida pelo governo. Mas é
fácil encontrá-los.
Alguns deles contam com centenas de mensagens e links para
dezenas de sites semelhantes. Um, o Gangstalkingworld.com,
recebe os visitantes com esta descrição: "A perseguição por
gangues é uma forma sistêmica de controle, que tenta destruir
cada aspecto da vida do indivíduo visado. O alvo é seguido a
toda parte e colocado sob vigilância por espiões/bisbilhoteiros
civis em período integral".
O site registra mais de 71 mil visitas, e oferece links para
muitos empreendimentos semelhantes, entre os quais o
Harassment101, que apresenta 965 mensagens.
Em agosto, uma pessoa postou no Gank Stalking World uma
mensagem que dizia: "É insano que a cada dia eu tenha de voltar
para casa e descobrir se meus sites ainda estão na ativa ou
foram fechados. Esta semana eles realmente estão me perturbando,
e é hora de eu retribuir o favor". A mensagem direciona os
leitores a outros sites que tratam do tema, caso seus sites
favoritos deixem de funcionar.
Robinson declarou em entrevista que foi torturado e sofreu
abuso por parte dos grupos que o perseguem e pelo uso de "armas
neurológicas" desde que deixou a Marinha, em 1982. "Ao ler as
histórias e descobrir as semelhanças entre as técnicas de
assédio que estavam em uso, os relatos de vandalismo, de
sabotagem de equipamentos domésticos e todas as outras coisas
criadas para enlouquecer uma pessoa, a quem se deve procurar?",
ele disse. "As pessoas certamente dirão que você está sofrendo
de ilusões".
Para Robinson e diversos outros usuários desse tipo de site
entrevistados para este artigo ¿ todos os quais insistiram em
que não sofrem de quaisquer ilusões, incluindo um homem com
repetidas passagens por hospitais psiquiátricos -, os sites
oferecem uma experiência muito forte e que não é comum para
eles: a de encontrar pessoas que os compreendam.
"Em larga medida, as pessoas que participam são em sua
maioria sãs e coerentes, e capazes de relatar exatamente o que
está acontecendo com elas", diz Robinson. "Nos sites, elas podem
dizer livremente as coisas que as levariam a ser classificadas
como iludidas em outros lugares".
O grupo dele, de pessoas que se descrevem como "indivíduos
visados", organizou um encontro real em Los Angeles no mês
passado, promovendo uma conferência inaugural. Eles se
encontraram para trocar histórias, entre as quais a humilhante
experiência de ouvir terceiros lhes dizer que são malucos.
Os especialistas em saúde mental que observam com atenção
esses sites são cuidadosos em afirmar que não existe maneira de
provar que as pessoas que postam mensagens no site de Robinson,
o freecomfhcs.com, estejam sofrendo de doença mental. O site
afirma que sua missão é procurar justiça para aqueles que se
tornam vítimas de "perseguição organizada e tortura
eletromagnética".
Vaughan Bell, um psicólogo britânico que estudou o efeito da
Internet sobre as doenças mentais, começou a acompanhar o que
acontece em sites que reportam sobre controle mental em 2004. Em
2006, ele publicou um estudo no qual concluía que existe uma
extensa comunidade online que funciona em torno desse tipo de
crença, e classificou os 10 sites que vinha estudando como
"sites provavelmente psicóticos".
As dimensões da comunidade, disse Bell, apresentam um
paradoxo com relação à maneira pela qual as normas de
diagnóstico da Associação Psiquiátrica Americana definem essa
forma de ilusão, segundo as quais uma crença sustentada pela
"cultura ou subcultura" de uma pessoa não constitui "delusão", o
termo técnico para o problema. Essa exceção serve para
justificar certos rituais relacionados à fé religiosa, por
exemplo.
Bell, cujo estudo foi publicado pela revista
Psychopathology, diz que não sugere que todas as pessoas que
participam dos sites de controle mental estejam sofrendo
ilusões, e que um diagnóstico firme de psicose só pode ser
realizado em base individual.
Os sites de controle mental lembram alguns especialistas dos
relatos das pessoas que alegavam terem sido abduzidas por
alienígenas nos anos 70 e 80. Uma história gerava outra até que
muitas pessoas passassem a insistir que haviam passado por
experiências virtualmente idênticas de aprisionamento a bordo de
uma nave espacial tripulada por criaturas prateadas e de olhos
amendoados.
Algumas das pessoas que postam nos sites sobre controle
mental dizem que estão sendo "sexualmente estimuladas" de modo
remoto por aqueles que as torturam. Alguns dos que se diziam
abduzidos por alienígenas fizeram alegações semelhantes.
Pesquisas posteriores demonstraram que as pessoas que se
acreditavam abduzidas não eram psicóticas, mas estavam sofrendo
de problemas sérios de memória ou de falta de sono, ou de
traumas pessoais, disse Bell.
Os psiquiatras e pesquisadores dizem que é cedo demais para
determinar se a comunicação via Internet entre pessoas que podem
ser psicóticas afetaria suas doenças de modo negativo.
"Trata-se de um cantinho muito complexo em nossa disciplina",
disse o Dr. Ken Duckworth, diretor médico da Aliança Nacional da
Doença Mental, um grupo que defende os pacientes. "Algumas
pessoas podem se ver auxiliadas na cura pelas visitas a esses
sites, mas as questões em jogo são realmente difíceis. A
Internet não é uma nova causa de doença mental, mas uma variável
nova que complica a situação".
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times