Ashlee Vance
A Pure Digital Technologies pensou pequeno e simples, e isso
lhe valeu muito dinheiro. A pequena empresa criada oito anos
atrás e famosa por suas câmeras de vídeo
Flip, baratas e fáceis de usar, derrotou a recessão
econômica. Na quinta-feira, a companhia de 100 funcionários foi
adquirida pela
Cisco Systems, gigante da infra-estrutura tecnológica, por
US$ 590 milhões em ações.
O acordo coroa a ascensão acidentada e imprevisível da Pure
Digital, que superou as empresas asiáticas que dominam o setor
de câmeras, sem abandonar sua modesta sede em um escritório
localizado sobre a Gump's, uma loja de departamentos no centro
de San Francisco. "Em um momento no qual todo mundo só conta
histórias de sofrimento, esse é um exemplo fabuloso daquilo que
se pode realizar contrariando todas as probabilidades", diz
Michael Moritz, especialista em capital para empreendimentos da
Sequoia Capital, que investiu na Pure Digital.
Nos dois últimos anos, a Cisco está se expandindo para além
da venda de equipamento de rede para grandes centrais de
processamento de dados, e avançou no mercado doméstico de
decodificadores, roteadores e - mais recentemente - aparelhos de
som. A empresa deixou claro que pretende reforçar essas
atividades ao direcionar boa parte de sua reserva de caixa de
US$ 34 bilhões a aquisições.
Na Pure Digital, a Cisco descobriu o talento local que
complementa suas ambições de avanço no setor de bens de consumo
e na extensão de sua tecnologia de
videoconferência a aparelhos portáteis.
A Pure Digital começou a vender a linha Flip de produtos em
2007, e desde então embarcou mais de dois milhões de unidades, a
preços de entre US$ 150 e US$ 230, a depender do modelo. O
motivo da fama do produto é seu minimalismo.
As câmeras de vídeo Flip têm poucos botões, pesam pouco e
suas telas têm apenas 1,5 polegada. Além disso, vêm sem cabos, e
dependem de um conector incorporado que pode ser acoplado à
porta
USB de um
computador tanto para recarregar o aparelho quanto para a
transferência de arquivos em vídeo.
Além da câmera, a Pure Digital oferece
software que ajuda a transferir vídeos de um computador
pessoal para serviços como o YouTube e o Facebook, com um ou
dois comandos. O software simples, design simples e baixo custo
ajudaram a levar a câmera de vídeo a pessoas que não apreciam
aparelhos mais complexos mas ainda assim gostam de gravar e
distribuir seus vídeos.
"Eles conseguiram aproveitar a oportunidade de atingir
consumidores que tradicionalmente evitam as câmeras de vídeo",
disse Ross Rubin, analista do NPD group.
Ao longo dos últimos anos, as vendas de câmeras digitais de
vídeo se mantiveram estagnadas ou caíram, de acordo com Rubin.
Enquanto isso, a Pure Digital triplicava as vendas dos produtos
Flip no ano passado, e hoje detém cerca de um quinto do mercado.
A Sony, líder na venda de câmeras de vídeo, começou a imitar os
produtos da Pure Digital, e muitas outras empresas fizeram o
mesmo.
O design sem firulas da Flip mudou a trajetória da Pure
Digital. "Nós saímos do vermelho no dia em que lançamos a Flip",
diz Jonathan Kaplan, o presidente da empresa.
A Pure Digital foi criada para vender câmeras fotográficas
digitais descartáveis. Os consumidores pagavam pela câmera e a
devolviam ao ponto de venda para obter cópias impressas das
fotos. Inicialmente, a idéia funcionou. Mas, à medida que as
câmeras digitais não descartáveis baixavam de preço, as vendas
da Pure Digital despencavam.
Depois, a companhia decidiu produzir câmeras digitais de
vídeo descartáveis, distribuídas da mesma maneira. Os clientes
retornavam com as câmeras ao ponto de venda, e recebiam as
imagens gravadas transformadas em um DVD. Mas a empresa ainda
estava à procura de um grande sucesso ¿ e para consegui-lo
contou com a ajuda dos seus parceiros de varejo e,
surpreendentemente, de hackers.
Os hackers removiam o chip de memória das câmeras
descartáveis de vídeo, para que pudessem exibir vídeos em seus
computadores. E os pontos de venda pediram que a Pure Digital
limitasse os acessórios que acompanhavam as câmeras, o que
resultou na criação do conector de USB incorporado.
Isso tudo resultou na idéia de uma câmera de vídeo digital
barata e fácil de usar, com a capacidade de gravar e transferir
vídeos do aparelho para computadores e sites. Desde então, a
companhia vem mantendo essa abordagem simples, e está
trabalhando para tornar seus produtos mais atraentes por meio de
designs mais coloridos e de vídeos de melhor qualidade.
Os recursos consideráveis da Cisco poderiam ajudar a Flip,
que até o momento vem operando com investimentos de cerca de US$
70 milhões, a conquistar o sucesso em outros mercados além dos
Estados Unidos e do Reino Unido, diz Moritz. "É preciso ampliar
o estoque a fim de atender à demanda em muitos países, e isso é
uma medida bastante dispendiosa", afirma.
Produtos ao consumidor como esses são novidade na Cisco. Mas
a empresa já conhece o trabalho da Pure Digital, porque a
família de John Chambers, seu presidente-executivo, tem oito
câmeras Flip, e os executivos do grupo muitas vezes postam seus
vídeos em uma espécie de YouTube interno da empresa.
No futuro, a expectativa é de que a Cisco lance versões da
Flip dotadas de conexão sem fio. E Kaplan diz que há novas
surpresas por vir. "A Flip certamente encontrará seu caminho
para alguns lugares muito óbvios, e talvez para alguns menos
óbvios", ele disse.
Tradução: Paulo Migliacci ME
The New York Times