- Câmeras que podem nos seguir do momento que entramos numa loja ao instante que chegamos ao caixa, gravando cada camiseta que tocamos, cada manequim que olhamos, cada vez que assoamos o nariz ou paramos para amarrar o cadarço.
- Cupons online com códigos de barra que podem identificar - e alertar os lojistas - os termos de busca que usamos para encontrá-los e, em alguns casos, até mesmo nossa informação no Facebook e nosso nome.
- Marketing móvel que pode nos encontrar perto de uma arara de roupas da loja e enviar anúncios ao nosso celular com base em nossas preferências e comportamento anteriores.
É verdade que essas inovações do comércio ajudam as companhias a identificar seus segmentos de clientes mais lucrativos, prever de modo melhor as ofertas que os compradores buscam, aprimorar o serviço de modo personalizado e fomentar a lealdade à marca. (Minhas colegas Stephanie Rosenbloom e Stephanie Clifford escreveram em detalhes sobre a destreza do monitoramento das câmeras de lojas e cupons online).
Mas essas e outras técnicas de vigilância também nos lembram que avanços na coleta de dados estão ultrapassando a proteção de dados pessoais. Entramos na sociedade pós-privacidade, em que perdemos noção de quantas entidades nos monitoram. Sem mencionar o que elas fazem com nossa informação pessoal, como a armazenam, para quem podem estar vendendo nossos dossiês e, sim, quanto dinheiro elas estão ganhando com isso.
Sai de cena, dizem defensores do consumidor, aquela velha noção do consentimento informado, segundo o qual uma companhia nos notifica claramente de suas políticas e nos dá a escolha de aceitar o monitoramento (ao invés de nos deixar desautorizar a prática depois que descobrimos que nosso comportamento está sendo monitorado).
"Como avisos e escolhas funcionam quando não temos sequer uma interface com a companhia que possui seus dados?", disse Jessica Rich, vice-diretora da agência de proteção ao consumidor da Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC na sigla em inglês).
A comissão apresentou dezenas de queixas contra companhias a respeito de coletas de dados possivelmente enganosas ou injustas e quase 30 queixas sobre problemas de segurança de dados. Em 2009, a comissão propôs novas diretrizes para a publicidade online baseada no comportamento dos usuários.
O problema é que as diretrizes da comissão são meras recomendações. As corporações podem escolher segui-las - ou não. E os padrões de publicidade online não se aplicam à técnica offline como a observação em lojas.
Mike Zaneis, vice-presidente para políticas públicas do Interactive Advertising Bureau, uma associação do setor com sede em Manhattan, diz que o ramo de publicidade não está coletando de forma generalizada dados de identificação pessoal.
Seu grupo trabalhou na autorregulação do setor com a comissão, ele diz, e está desenvolvendo novos padrões para o setor com o intuito de alertar os consumidores que forem expostos a anúncios baseados em seu comportamento.
Enquanto isso, Zaneis diz, os consumidores podem usar um programa do setor para desautorizar alguns anúncios baseados em comportamento. Quanto ao marketing móvel, sempre se pergunta aos consumidores se eles aceitam os anúncios relacionados à localização de seu celular, segundo Zaneis.
O problema maior aqui não é a invasão da privacidade de uma pessoa específica, mas sim o crescimento explosivo de uma indústria que coleta informações comportamentais, diz Jeff Chester, diretor-executivo do Center for Digital Democracy, um grupo sem fins lucrativos que trabalha para salvaguardar a privacidade dos usuários.
"Todo o modelo de negócios consiste em coleta de dados irrestrita de todas as suas atividades online e offline", Chester diz. Por exemplo, ele afirma que, quando os consumidores aceitam anúncios de celular, eles podem não entender que a área de marketing poderá relacionar sua localização a informações de bancos de dados de terceiros. O resultado, ele diz, são dossiês móveis sobre consumidores individuais.
Por mais contraditório que isso possa soar, precisamos de novas estratégias para que haja uma vigilância transparente do consumidor. Num país que possui uma abrangente legislação federal - a Lei de Relatório de Crédito Justo -, a qual nos dá o direito de obter e corrigir dados financeiros coletados sobre nós, nenhum estatuto federal exige que anunciantes usando dados comportamentais nos mostrem seus arquivos, diz Rich da FTC.
Então, será que o modelo europeu ¿ envolvendo agências governamentais independentes, chamadas Comissões de Proteção de Dados, responsáveis por salvaguardar as informações pessoais da população ¿ é melhor que o americano? Os comissários de privacidade da Europa têm em geral adotado um olhar para o futuro, examinando intrusões potenciais de privacidade, como monitoramento biométrico, enquanto a FTC ainda está tentando entender a magnitude e as implicações da web, diz Marc Rotenberg, diretor-executivo do Electronic Privacy Information Center, um grupo de pesquisa de Washington.
"O sistema americano não está funcionando em relação à privacidade", Rotenberg diz.
No início do outono, a FTC planeja propor novas diretrizes abrangentes de privacidade, com a intenção de oferecer mais instrumentos de transparência e um melhor controle das informações pessoais pelo consumidor, Rich diz.
Enquanto isso, que tal os consumidores passarem a se interessar mais em saber quem está coletando informações sobre eles?
Num recente documentário chamado "Erasing David", o cineasta residente em Londres David Bond tenta desaparecer da rede de vigilância da Grã-Bretanha, contratando especialistas da firma de segurança Cerberus para monitorá-lo, usando todas as informações que conseguirem reunir sobre ele enquanto David tenta se esquivar. Durante o filme, os detetives até mesmo obtêm uma cópia da certidão de nascimento de sua filha, na época com 18 meses de vida.
Mas o chocante é a informação que Bond consegue obter sobre si mesmo - tirando vantagem da lei de proteção de dados da Grã-Bretanha, que exige que as agências públicas e empresas privadas divulguem o arquivo de dados de uma pessoa quando a mesma faz uma requisição por escrito.
Em uma cena, Bond recebe um impresso da espessura de uma lista telefônica do Amazon.com, contendo a relação de tudo que ele já comprou no site, os endereços de todas as pessoas para quem ele enviou presentes, e até mesmo produtos que ele pesquisou, mas não comprou.
Ele também recebe um arquivo de seu banco, incluindo a transcrição de uma ligação telefônica raivosa que ele fez depois que o banco perdeu um de seus cheques. A transcrição detalhava que ele parecia nervoso e levantou a voz.
"Parecia um mini-arquivo da Stasi", Bond disse quando liguei para ele na semana passada. Quando mensagens automáticas nos informam que nossa ligação pode ser gravada "para propósitos de treinamento ou garantia de qualidade", ele observou, devemos lembrar que nossa conversa pode acabar em nossos dossiês.
Inspirada pela odisseia de Bond, liguei para algumas companhias com as quais faço negócios.
Um atendente de uma rede de livrarias onde tenho um cartão de desconto disse que a companhia mantém uma lista de valores que cada membro gasta em cada transação, para que a loja possa dizer às pessoas quanto elas economizaram no final do ano. Mas o proprietário do cartão fidelidade não tem permissão para obter seu histórico de compra.
Então, liguei para uma agência de viagens online e perguntei se podia conseguir cópias do meu histórico de voos e transcrições telefônicas. Estava arrependida de um telefonema irritado que dei para a agência alguns meses atrás, depois de ter ficado presa no aeroporto durante uma nevasca. Um atendente disse que os clientes não podem obter suas próprias transcrições a menos que seja para propósitos legais.
Eu fui gravada desta vez também? Eles sempre gravam, respondeu o atendente.
Tradução: Amy Traduções