Essa ascensão do gestor nacional aos
olhos do mundo abriu um novo debate:
existe um estilo brasileiro de
liderança?
Uma tentativa de
responder a essa pergunta pode ser
encontrada no livro Liderança: Entre
a Tradição, a Modernidade e a
Pós-Modernidade (Editora Campus/Elsevier,
99 reais), coletânea de textos
acadêmicos, lançada no mês passado e
organizada pelos professores
Anderson Sant'anna, da Fundação Dom
Cabral, de Minas Gerais, e Reed
Elliot Nelson, acadêmico da Southern
Illinois University e professor
visitante da instituição mineira.
"O momento do Brasil é ideal para
que as empresas moldem uma marca
nacional", diz Anderson. No livro,
dois artigos discutem a questão do
jeitinho brasileiro de gerir.
Antônio Moreira de Carvalho Neto,
professor do programa de
pósgraduação da Pontifícia
Universidade Católica de Minas
Gerais, e Vera Lúcia Cançado, da
Fundação Pedro Leopoldo, também de
Minas, voltam- se ao passado para
entender como as peculiaridades
sociais e culturais do Brasil
influenciam no modo de liderar.
Os estudiosos se apoiam em
pensadores da tradição brasileira,
como Sergio Buarque de Holanda e
Roberto DaMatta, entre outros, para
fazer a análise. Antônio e Lúcia
conversaram com a VOCÊ S/A sobre o
tema. Leia trechos das entrevistas e
veja como agem os líderes
brasileiros.
VOCAÇÃO PARA DRIBLAR
Vera Lúcia Cançado: "O jeitinho é
uma característica antiga. Usamos
para driblar obstáculos. Conhecemos
as leis e sabemos o que fazer para
burlá-las. Numa negociação, quem usa
o jeitinho se mostra simpático e
humilde e encanta o interlocutor
para alcançar o resultado que quer.
Isso até pode ser positivo, porque
faz com que o brasileiro tenha mais
facilidade para se adaptar a novos
cenários. Desde a infância estamos
expostos a atitudes contraditórias,
por isso entendemos melhor os
paradoxos dos negócios".
MISTURA DO PÚBLICO COM O
PRIVADO
Antônio Moreira de Carvalho Neto:
"Tendemos a misturar o local privado
com o público. Cada espaço
demandaria um tipo de conduta.
Segundo o antropólogo Roberto
DaMatta, dentro de casa agiríamos
com mais afetividade e poderíamos
ter noções de hierarquia diferentes
das que temos no espaço público. Na
rua, deveríamos ser impessoais. No
Brasil, os mundos se relacionam. É
comum o líder desenvolver relações
pessoais com os subordinados. O que
é bom, por um lado, porque o chefe
conhece a equipe e cria laços de
confi ança. Mas a mistura pode ser
tão grande que na hora de uma
promoção o chefe escolhe não o
funcionário mais preparado para o
cargo, e sim a pessoa com a qual tem
mais empatia. Essa atitude é um
erro. O mundo corporativo prioriza a
meritocracia".
FLEXIBILIDADE
Vera Lúcia Cançado: "A
flexibilidade é inerente ao nosso
povo. O brasileiro, por sempre
enfrentar com criatividade crises fi
nanceiras, épocas de alta infl ação
e violência, aprende a criar
soluções inovadoras e a ser ágil ao
executar tarefas. Isso ocorre dentro
das empresas, com os gestores
mudando de rota rapidamente para
entregar resultados a curto prazo ou
para atender a novas demandas"
OTIMISMO E CORDIALIDADE
Antônio Moreira de Carvalho Neto:
"Os líderes brasileiros têm algumas
características bem positivas que os
diferenciam: são otimistas,
sociáveis e têm a cabeça mais aberta
para o novo do que povos de outros
países. Essas competências são muito
importantes, já que estamos numa
época em que é preciso saber lidar
com os outros para crescer.
A positividade do brasileiro vem
da religiosidade que está presente
em nosso desenvolvimento histórico e
faz com que tenhamos muita
disposição para a vida e esperança
no futuro. Por vivermos em um país
novo e cheio de imigrantes, estamos
acostumados a lidar com a
diversidade e ter fé no estrangeiro.
Uma postura importantíssima, pois
hoje as relações profi ssionais
tendem a ser bastante globalizadas".
Nosso CEO até sofre para
demitir, mas trabalha bem certa
ética da responsabilidade, do tipo
'é preferível demitir a metade dos
trabalhadores do que todos perderem
os empregos com a falência da
empresa'. Produzimos até CEOs
brasileiros para exportação, como o
caso já célebre daquele que desafiou
tradições antigas de lealdade
empresa- empregado ao realizar
impensáveis demissões na Nissan, no
Japão, 'degola inusitada na terra
dos samurais'."
Antonio Moreira de Carvalho
Neto no artigo A Liderança
Transformacional e o Perfil
Brasileiro de Liderança: Entre o Cru
e o Cozido, referindo-se a Carlos
Ghosn, atual presidente da Nissan-
Renault. Em 1999, ano em que assumiu
a empresa, o executivo fez uma
grande reestruturação e demitiu 21
000 pessoas no Japão.