Sempre que perguntamos a vocês sobre o que gostariam de ler aqui no Olhar
Digital,
boa parte diz se interessar por um assunto bem escabroso, que costuma ser
evitado devido ao que vem acompanhado dele. É a chamada "deep web", a camada da
internet que não pode ser acessada através de uma simples "googlada". Pois nós
resolvemos fuçar lá para entender melhor esse universo e informá-los sobre o que
é, o que tem de bom e, também, o que tem de ruim.
Quando se diz que na internet é possível aprender como construir bombas, comprar
drogas e documentos falsificados, entre outras coisas, geralmente é sobre a deep
web que estão falando; assim como é lá também que surgem organizações como
Wikileaks e Anonymous, e são essas pessoas que discutem a web como um organismo
livre e democrático. Portanto, é uma via de duas mãos, em que a todo momento
você pode tropeçar numa pedrinha e cair do lado contrário.
A deep web é considerada a camada real da rede mundial de computadores,
comumente explicada em analogia a um iceberg: a internet indexada, que pode ser
encontrada pelos sistemas de busca, seria apenas a ponta superficial, a "surface
web". Todo o resto é a deep web - não à toa o nome que, em inglês, significa
algo como rede profunda. "Essa parte de baixo do iceberg existe por causa das
deficiências da parte de cima, por causa do uso comercial excessivo da parte de
cima. As pessoas se cansam", diz Jaime Orts Y. Lugo, presidente da Issa
(Associação de Segurança em Sistemas da Informação). Tem quem diga que a camada
inferior é 5 mil vezes maior que a superior, mas não há consenso e uma corrente
acredita justamente no contrário.
O que é?
Em grande parte, a deep web existe, assim como a própria internet, graças à
força militar dos Estados Unidos. Neste caso, graças ao Laboratório de Pesquisas
da Marinha do país, que desenvolveu o The Onion Routing para tratar de propostas
de pesquisa, design e análise de sistemas anônimos de comunicação. A segunda
geração desse projeto foi liberada para uso não-governamental, apelidada de TOR
e, desde então, vem evoluindo... Em 2006, TOR deixou de ser um acrônimo de The
Onion Router para se transformar em ONG, a Tor Project, uma rede de túneis
escondidos na internet em que todos ficam quase invisíveis. Onion, em inglês,
significa cebola, e é bem isso que a rede parece, porque às vezes é necessário
atravessar várias camadas para se chegar ao conteúdo desejado.
Grupos pró-liberdade de expressão são os maiores defensores do Tor, já que pela
rede é possível conversar anonimamente e, teoricamente, sem ser interceptado,
dando voz a todos, passando por quem luta contra regimes ditatoriais, empregados
insatisfeitos, vítimas que queiram denunciar seus algozes... todos. A ONG já
teve apoio da Electronic Frontier Foundation, da Human Rights Watch e até da
National Christian Foundation, mas também recebeu dinheiro de empresas, como o
Google, e de órgãos oficiais - o governo dos EUA, aliás, é um dos principais
investidores.
Ao acessar um site normalmente, seu computador se conecta a um servidor que
consegue identificar o IP; com o Tor isso não acontece, pois, antes que sua
requisição chegue ao servidor, entra em cena uma rede anônima de computadores
que fazem pontes criptografadas até o site desejado. Por isso, é possível
identificar o IP que chegou ao destinatário, mas não a máquina anterior, nem a
anterior, nem a anterior etc. Chegar no usuário, então, é praticamente
impossível.
Também há serviços de hospedagem e armazenagem invisívieis. Assim, o dono da
página está seguro se não quiser ser encontrado.
Como chegar lá?
O Tor Project conta com ferramentas para que qualquer um possa ter contato com o
espaço, inclusive um compilado de produtos que inclui a versão portátil do
Fiferox já configurada para o acesso anônimo e que sequer exige instalação (clique
aqui para baixar o pacote).
Tanta preocupação com segurança faz com que a navegação seja muito lenta; nós
conversamos com um programador que usa a rede Tor e ele explicou que isso ocorre
principalmente por conta da triangulação do acesso. "Às vezes ele manda um
request para um desvio em outro país e redireciona para o site", disse.
É preciso cautela para se aventurar nesse mundo. Em primeiro lugar, tenha em
mente que os principais caminhos estão em inglês, e é essencial compreender
exatamente o que está escrito antes de clicar num link. Além disso, a deep web é
feia, porque ninguém ali está preocupado com o layout, então o inglês é duas
vezes mais importante, já que não há imagens que te levem a entender o contexto.
É tudo bem direto.
O programador nos alertou que alguns dos vírus mais arrojados são testados na
deep web, portanto, antivírus e firewall têm de ser bons e estar atualizados.
Aqui na redação nós usamos um netbook ligado a um modem 3G para poupar a rede de
eventuais problemas; se você não tiver como fazer isso, a dica é criar uma
máquina virtual. Há, inclusive, uma versão do Linux, a "Tails", feita
especificamente para esse tipo de coisa. As operações financeiras por lá não são
feitas com dinheiro ou cartão de crédito; a maioria dos sites nem aceita opções
como PayPal, é tudo em Bitcoin.
E há ainda um outro detalhe. O endereço do que talvez seja o principal site por
lá é kpvz7ki2v5agwt35.onion/wiki/index.php/Main_Page e
não adianta tirar nada após as barras, pois o acesso trava. Trata-se da Hidden
Wikki, uma espécie de indicador de sites com cara de Wikipédia que te ajuda a
navegar por tema. As URLs são decodificadas dessa maneira e algumas páginas
mudam constantemente para não serem achadas, enquanto outras dependem de
informações específicas para se modificar e, assim, conceder acesso ao que
realmente importa ali.
A maioria dos sites tem o .onion no meio por conta do Tor, mas há, porém,
scripts que configuram o navegador para que ele abra outras extensões, pois essa
não é a única forma de driblar o monitoramento da surface web. No ano passado,
por exemplo, quatro pesquisadores das universidades de Michigan e Waterloo
criaram o Telex, que permite acesso a páginas bloqueadas, embora a tecnologia
dependa de aprovação do governo ou provedor para funcionar. Outra alternativa é
a Freenet, uma plataforma pela qual se pode compartilhar arquivos, navegar e
publicar "freesites" - estes, assim como os .onion, só são acessíveis com o
programa específico.
Uma vez na deep web, basta caçar conteúdo. Tem de tudo ali e nós, como dito lá
no começo do texto, fomos do bom ao ruim para informá-los. A próxima reportagem
da série trará a parte legal e, na sequência, mostraremos o que há de
preocupante nesse pedaço quase invisível da internet. Acompanhe conosco, se
tiver curiosidade.
Olhar Digital