|
Sem cara feia!
A medicina cria tratamento eficaz contra a doença do mau
humor, problema que afeta cerca de 180 milhões de pessoas no mundo
Eliane Lobato e Lia Bock
Colaborou Murillo Victorazzo
Cara amarrada, respostas monossilábicas, ar de
quem está pronto para uma briga. Quem nunca foi vítima de uma manifestação
de mau humor? Em tempos difíceis como os atuais, então, nada mais fácil do
que ser acometido ou despejar em cima do coitado mais próximo um acesso de
irritação extrema. No entanto, um dado da Organização Mundial de Saúde (OMS)
tem preocupado uma boa parcela dos psiquiatras. De acordo com a entidade, 3% da
população mundial – cerca de 180 milhões de pessoas – estão sofrendo da
doença do mau humor. Trata-se, como o próprio nome diz, de uma patologia. E
como grande parte das enfermidades psiquiátricas, a distimia, como o problema
foi denominado, causa prejuízos não só à saúde. Tem repercussão na vida
familiar, social e profissional.
Ser vítima da doença é diferente
de ter episódios de cara feia.
Perder a esportiva quando o carro quebra é normal. Esse estado
de espírito se torna patológico quando está sempre presente,
independentemente de acontecer algo positivo ou negativo. “O doente fica de
mau humor por causa dos outros, do trânsito, porque está chovendo”, explica
o psiquiatra Antonio Egídio Nardi, professor
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Uma pessoa que procura vaga
para estacionar o automóvel fica mal-humorada se não
a encontra. O distímico fica mal-humorado se a achar ou não. Se a localizar,
vai concluir que a vaga não é boa, por isso estava sobrando, que alguma coisa
dará errada, etc. Mas a distimia se caracteriza
também por outros sintomas.
Mitos – Para
que a doença seja diagnosticada, é preciso que os sintomas estejam presentes
por no mínimo dois anos. Essa medida de tempo serve para diferenciar o
abatimento de uma pessoa em uma má fase profissional ou pessoal de outra cujo
mau humor seja cotidiano e tenha sobrevivido por mais tempo. Um grande problema
para o diagnóstico é separar a distimia da depressão, já que há semelhança
nas manifestações. “Mas o deprimido tem humor triste, enquanto o distímico
apresenta humor irritado”, diz Nardi. Na verdade, identificar a enfermidade é
um desafio. Primeiro, porque a doença é pouco conhecida. Depois, porque se
trata de um assunto cercado de mitos. É comum as pessoas encararem o estado de
ânimo como algo natural da personalidade. “Muita gente sofre anos sem saber
que está doente e que essa é a causa de estar sempre de mal com a vida”,
explica Táki Cordás, professor da Universidade de São Paulo e autor do livro Distimia,
do mau humor ao mal do humor.
As causas da doença não estão elucidadas.
Mas, a exemplo do que ocorre com a maioria das patologias psiquiátricas,
imagina-se que a distimia seja provocada por fatores genéticos, ambientais e
psicológicos. Entre estes últimos, estão conflitos em casa e superproteção
ou educação rígida demais. Também não se conhece com precisão suas
repercussões no organismo. Já se sabe, no entanto, que o paciente apresenta
uma disfunção que leva ao desequilíbrio de substâncias que fazem a comunicação
entre os neurônios. Entre elas estão a serotonina e a noradrenalina,
envolvidas no processamento das emoções. O doente também é mais vulnerável
à dor. Na opinião do psiquiatra Nardi, isso se deve muito ao fato de o distímico
sempre achar que está doente. “Ele tem mais queixas físicas, até por ser
mais tenso e pelo pessimismo em relação a tudo”, diz. As dores mais
frequentes são as de cabeça, as musculares e as de estômago. “Há relatos
de baixa imunidade e alteração de pressão arterial”, completa a psiquiatra
Alexandrina Meleiros, do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP).
|
|