|
Audição distancia homem do
chimpanzé, revelam genes
RICARDO BONALUME NETO
da Folha de S.Paulo
A primeira comparação feita entre os genes do homem e do chimpanzé revelou
surpresas curiosas. Uma delas foi descobrir a rápida evolução de genes
ligados à audição, ao olfato e à quebra de proteínas pelo organismo. Outra,
ainda maior, foi verificar que esse desenvolvimento se deu não no chimpanzé,
mas no homem.
Os dois animais compartilham quase 99% do material genético. Esperava-se que no
pouco mais de 1% de diferença genética estariam traços que marcariam a
diferença entre macaco e humano.
Além de não ser esse o caso, é possível que não só nos genes, mas na sua
regulação --ou seja, no modo como funcionam--, se concentrem os 5 milhões de
anos de evolução que separam homem de chimpanzé.
A evolução rápida de genes ligados à audição pode estar vinculada ao
desenvolvimento da linguagem, uma das características que separam o homem dos
animais.
Genes que facilitam a quebra de proteínas --a parte do metabolismo chamada
"catabolismo"-- podem ter ajudado quando houve uma mudança de dieta
na pré-história. Há os que associam o aumento do consumo de carne à expansão
do cérebro humano.
Mas como chimpanzés usam mais o olfato no cotidiano do que o ser humano, a
expansão de genes ligados a esse sentido é um mistério. Podem estar talvez
ligados ao comportamento sexual, ou ter uma função desconhecida.
A equipe de 17 pesquisadores nos EUA analisou 7.645 sequências de genes de
chimpanzé e as comparou com genes compartilhados com o homem e o camundongo (um
animal que divergiu antes e pode dar pistas sobre a direção de mudança nos
genes pela evolução biológica).
Genes, assim como espécies, também são afetados pela seleção natural, o
"motor" da evolução. A seleção consiste no processo pelo qual os
seres vivos mais bem adaptados ao ambiente tendem a sobreviver e transmitir
genes.
Os genes também são modificados pelo ambiente. Essas mutações nos genes
podem ser neutras, negativas ou positivas. Nesse último caso, fazem surgir
características que facilitam a sobrevivência. Para saber que tipo de mutação
o gene sofreu --positiva, ou por mero acaso--, os cientistas usaram testes estatísticos.
Eles descobriram que, dos 7.645 genes compartilhados, 1.547 genes humanos e
1.534 genes de chimpanzé "experimentaram mudanças relativamente rápidas,
que provavelmente deram uma vantagem de sobrevivência", como diz artigo na
revista "Science" (www.sciencemag.org) de hoje.
Os pesquisadores acharam, portanto, muitos genes que tiveram rápida evolução.
"A distinção é que, como uma classe, a olfação, a audição e o
catabolismo de aminoácidos [componentes das proteínas] mostraram um excesso de
genes sendo selecionados", disse à Folha a principal autora do estudo,
Michele Cargill, da empresa Celera Diagnostics, na Califórnia (oeste dos EUA).
"O conjunto de dados é grande o suficiente para ser representativo das
sequências de genes. E é provável que haja importantes diferenças não-gênicas
entre homem e chimpanzé também", afirma a pesquisadora.
A maneira como os genes são regulados e como as proteínas são produzidas pelo
organismo também é importante para definir a diferença entre homem e macaco.
"É impossível quantificar o que é mais importante", diz Cargill.
A empresa privada Celera sequenciou o genoma humano e o do camundongo e vive em
competição com consórcios públicos nos EUA. Anteontem, um consórcio havia
anunciado que a primeira versão do genoma símio estava disponível na
Internet.
Um dos cientistas do consórcio público, Richard K. Wilson, da Universidade
Washington em Saint Louis, concorda com a importância da regulação gênica.
"Mas, tendo dito isso, eu diria também que ganhar um entendimento desses
fatores começa com a elucidação da sequência do genoma." Ele deve
publicar nos próximos meses suas primeiras análises do genoma do chimpanzé.
|
|
|