|
Prisioneiros das pílulas
O consumo irresponsável de medicamentos é um clássico do jeito de ser
brasileiro. À primeira pontada de dor de cabeça, haverá sempre uma mão
amiga a oferecer drágeas, conselhos, diagnóstico zás-trás. De médico e
louco todo mundo tem um pouco no país que ocupa a quinta posição no ranking
mundial dos maiores consumidores de remédios. A banalização do uso de
antiinflamatórios, analgésicos, xaropes, vitaminas e uma vasta gama de lixo
terapêutico nunca foi acompanhada de melhorias nos indicadores de saúde. Além
disso, nos últimos três anos, os brasileiros sentiram-se atraídos por outra
classe de medicamentos: a dos que prometem aplacar dores do humor e desordens
do comportamento.
As vendas de antidepressivos cresceram 11% nesse período, revela
levantamento do Instituto Brasileiro de Defesa do Usuário de Medicamentos,
realizado a pedido de ÉPOCA. Em outubro passado, foram consumidos 16,8 milhões
de comprimidos de Prozac, Zoloft, Pamelor e outros. Em setembro de 2000, foram
15 milhões de unidades. Essa expansão é significativa, quando se leva em
conta que as vendas de remédios essencialíssimos, contra hipertensão,
parasitas e doenças reumáticas, caíram. Sintomaticamente, outra categoria
que explodiu nas vendas é a dos medicamentos contra impotência, que já são
na maioria das vezes comprados sem necessidade, apenas para uso recreativo.
No mundo em que todos os sonhos de consumo parecem possíveis, o mais
acalentado continua inatingível - o da felicidade condensada em pílulas.
Quinze anos depois do surgimento do Prozac, os brasileiros ainda buscam soluções
rápidas para aliviar tristezas, ansiedades, pressões de todo tipo. ''As
pessoas confundem tristeza com depressão e correm em busca do remédio'', diz
o psiquiatra e psicanalista Pedro Gomes, secretário da Associação
Brasileira de Psicanálise. ''Muitas das prescrições são inadequadas porque
partem de clínicos gerais, endocrinologistas e outros especialistas que não
conhecem as dosagens e as aplicações corretas das drogas psiquiátricas'',
comenta.
Some-se a isso o mercado persa em que a internet se transformou, permitindo
o acesso livre a remédios que só deveriam ser vendidos com indicação
precisa. Para conseguir um antidepressivo, basta clicar em uma das dezenas de
ofertas internacionais que inundam as caixas de e-mail todos os dias. Na era
em que ninguém se permite entristecer, os antidepressivos viraram uma saída
imediata para momentos difíceis, mas estão longe de resolver os dilemas
emocionais de quem quer que seja. Quando corretamente indicadas, porém, as
drogas são armas imprescindíveis no tratamento de distúrbios de humor e
comportamento. Elas elevam os níveis de serotonina no cérebro e mantêm as
sensações de satisfação e estabilidade que, em última instância, podem
evitar um suicídio
|